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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
O Sucesso é tudo aquilo que queremos obter na vida. Para consegui-lo, além de alguma sorte, há que ter em conta pelo menos essas três variantes de que fala Einstein: trabalho, lazer e... boca fehada!. Trabalho é a primeira e principal variante: sem trabalho nada se consegue. Trabalho que tem que ser feito com gosto e não como imposição ou por uma choruda remuneração monetária. É pelo trabalho que o homem, qual artista, dá significado à sua vida (é assim que o "tripalium", donde derivou a palavra "trabalho", perde a conotação de castigo ou imposição e alcança a dimensão do "lazer"). Finalmente, para que não haja desvios no objetivo do sucesso temos que ter em conta também que é preciso fechar a boca. Como diz o povo, e bem, "pela boca morre o peixe" ou, também, "quem muito fala, pouco acerta". Ou ainda: "quem bota foguetes antes da festa, arrisca-se a ter que apanhar as canas!"
Do desfecho da final da Taça de Portugal, esta tarde, no Estádio do Jamor, (Benfica 1 - Guimarães 2) fica uma lição: por paradoxal que pareça, milhões não rima com campeões! E muito menos com o midiatismo das Televisões. Nem sempre a voz do dinheiro fala mais alto. Que não haja dúvida que é a combinação perfeita entre as três variantes citadas por Einstein (trabalho, lazer e boca fechada) que define a diferença entre os campeões e os "quase-campeões"! Entre o sucesso e o insucesso! E não vale a pena procurar bodes expiatórios ou arranjar desculpas esfarrapadas. Ou se é competente ou não se é. Há 15 dias o S.L.Benfica sonhava ser campeão nas três frentes em que estava empenhado (Liga Portuguesa, Liga Europa e Taça de Portugal). Em 15 dias enterrou tudo: derrota com o F.C.Porto para a Liga Portuguesa (2-1), derrota com o Chelsea na final da Liga Europa (2-1), derrota com o Vitória de Guimarães na final da Taça de Portugal (2-1). Não é verdade que um raio pode cair três vezes no mesmo sítio? Curioso, não é?! Não sei se o treinador do Benfica, Jorge Jesus, alguma vez terá pensado nisso.
Sempre aprendi desde criança que o desporto, nomeadamente o futebol, é uma escola de virtudes. Nem todos podem ganhar e, no desporto, como na vida, temos também que saber perder com dignidade e fair-play. Glória ao vencedor, honra aos vencidos! Evidentemente esta saudação estende-se a todos os clubes participantes da Taça de Portugal 2012-2013, menos aos jogadores do Benfica que, depois de receberem as medalhas de finalistas da Taça de Portugal 2013, se dirigiram directamente para os balneários, sem se dignarem esperar pela entrega da Taça ao finalista vencedor, o Vitória de Guimarães. É lamentável que os jogadores do SLB tenham acabado assim: sem glória nem honra. Mas esta falta de fair-play, afinal, não é novidade no SLBenfica: já em Abril de 2012, depois da derrota com o F.C.Porto, no estádio da Luz, e que definiu o campeão 2011-2012, alguém deu ordem para desligar as luzes do estádio e ligar os aspersores de rega do relvado, enquanto os jogadores do FCP comemoravam no estádio com os seus adeptos. Não basta ser grande nas vitórias; é preciso também ser grande nas derrotas. Perder uma competição, acontece! Perder a honra e o respeito ou não reconhecer o mérito do vencedor, é falta de carácter! É preciso saber honrar os pergaminhos das instituições.
PARABÉNS, VITÓRIA DE GUIMARÃES!
1-Não tem faltado aqui, nestas crónicas, a denúncia das patologias da religião. Como ser insensível ao sofrimento das vítimas da pedofilia do clero? Vítimas de escrúpulos, vítimas da humilhação intelectual, vítimas da intolerância religiosa, de um deus mesquinho e escravizador... O historiador católico Jean Delumeau escreveu: "As minhas investigações convenceram-me de que a imagem do Deus castigador e vingativo foi um factor decisivo para uma descristianização cujas raízes são antigas e poderosas".
Parece que, enquanto pôde, o clero controlou a vida sexual dos fiéis, a ponto de outro historiador, Guy Bechtel, afirmar que a fractura entre a Igreja católica e o mundo moderno se deu na teoria do sexo e do amor, com uma confissão inquisitorial centrada na actividade sexual.
Será preciso lembrar os homens e mulheres que foram assados nas fogueiras da Inquisição e não só, porque tinham ideias novas? E houve o medo-pânico da mulher, que se chegou a acusar de manter relações sexuais com o diabo. E os livros considerados heréticos também foram queimados. E houve as cruzadas, as guerras de religião, a missionação forçada. Pio VI condenou essa "detestável filosofia dos Direitos do Homem". Pio IX condenou expressamente a evolução como uma aberração. No século XX, o teólogo E. Drewermann escreveu: "Há 500 anos, a Igreja recusou a Reforma; há 200, o Iluminismo; há 100, as ciências naturais; há 50, a psicanálise. Como viver com tantas rejeições?"
Apesar de tudo, creio que é inegável que, no cômputo geral, o saldo é superior a favor da religião, nomeadamente do cristianismo. E não estou sozinho nesta apreciação.
2-Cada quarta-feira, a Cambridge Union Society, um clube de debate ligado à Universidade de Cambridge, realiza um debate sobre temas actuais. No passado dia 31 de Janeiro, com a presença de mais de 800 pessoas, sendo a maioria constituída por estudantes universitários, o tema era debater a necessidade da religião neste século, a partir das seguintes perguntas: "A religião é compatível com a vida do século XXI? Como pode conseguir-se que encaixe com as leis e os valores modernos? E se fosse compatível, a religião faz mais bem do que mal?"
Para o debate, partindo da premissa, "A religião não tem espaço no século XXI", foram convidados vários intervenientes, entre os quais o arcebispo Rowan Williams, que deixou há pouco a liderança da Igreja Anglicana, e o biólogo Richard Dawkins, ateu convicto e apóstolo do ateísmo a nível mundial.
Segundo R. Dawkins, a religião é "redundante e irrelevante", para lá de "uma traição à inteligência, uma traição ao melhor de nós, ao que nos torna humanos", continuando: "parece responder à pergunta enquanto a não examinas e te dás conta de que o não faz. Espalha explicações falsas, quando se poderia ter oferecido explicações reais, explicações falsas que obstaculizam a iniciativa de descobrir explicações reais." No contexto científico, funciona como um "charlatão pernicioso". Em suma: a sociedade funcionaria melhor, se as religiões estabelecidas desaparecessem.
Para R. Williams, a religião "foi sempre uma questão de construir comunidades, uma questão de construir relações de compaixão e de inclusão". A questão fundamental é ver qual deveria ser a atitude que se tem para com ela. Os direitos das pessoas "têm profundas raízes" nas comunidades de fé. "A Declaração dos Direitos Humanos não teria sido o que é se não tivesse havido o debate filosófico e religioso." Assim, o respeito pela vida humana e a igualdade são inerentes a todas as religiões organizadas. Por isso, pretender que "o compromisso religioso deve ser um assunto meramente privado vai contra a história da religião".
No final, depois de todas as intervenções, parte do público votou. Aí, os favoráveis à afirmação "a religião não tem espaço no século XXI" saíram derrotados: 136 contra 324. A religião autêntica pratica o amor, faz comunidades, oferece transcendência e sentido final. Mas é claro que, também no domínio da religião, se não pode abandonar a presença da razão crítica.
(ANSELMO BORGES)
Refiro-me a Paul Ricoeur, sendo o que aí fica, evitando tecnicismos, uma homenagem ao grande pensador humanista e cristão, que também influenciou a teologia, com a hermenêutica.
1. Pergunta nuclear da filosofia é: o que é o Homem?, quem sou eu? Ora, não se pode duvidar do facto de que eu sou; mas quem sou, o que é que eu sou: isso é duvidoso. O Homem não é transparente a si próprio. Para chegar a si mesmo, tem de fazer um grande desvio de interpretação, passando pelas obras da cultura: a literatura, as artes, as religiões, as ciências naturais - no quadro das neurociências, em diálogo com J.-P. Changeux, fez questão de acentuar a distinção fundamental entre o conhecimento científico e a experiência vivida: o sujeito não é redutível a dados empíricos -, as ciências humanas... É mediante esse percurso que o Homem vem a si próprio; reconhece-se, narrando a sua própria história, sempre aberta e em transformação. A identidade humana é narrativa.
2. A ética ocupa lugar central no pensamento ricoeuriano. É famoso, neste campo, o seu triângulo ético: a ética é "o desejo da "vida boa" com e para outrem em instituições justas". Tudo arranca do desejo: o esforço de existir, a capacidade de querer e agir, ser. Mas "eu" (primeira pessoa) não sou sem o outro, sem o "tu" (segunda pessoa), que me solicita: "O outro é meu semelhante. Semelhante na alteridade, outro na semelhança." O encontro, porém, dá-se no contexto de um "ele", "ela" (terceira pessoa), que remete para o impessoal e institucional (instituições justas).
3. A sua filosofia está profundamente enraizada. Di-lo também um texto sobre a Europa, numa entrevista de 1997, agora publicada pela Philosophie Magazine: "Estamos em guerra económica. É um problema muito perturbador, sobre o qual nunca tinha dito nada. É hoje o problema de toda a Europa ocidental. Onde, para sobrevivermos, devemos manter uma ética e uma política da solidariedade. O combate a travar tem duas frentes: por um lado, as nossas economias têm de permanecer competitivas; por outro, não podem perder a alma - o seu sentido da redistribuição e da justiça social. Um problema enorme, quase tão difícil de resolver como a quadratura do círculo...
Ainda não acabámos com a herança da violência e da última guerra. Nem com a dureza e a brutalidade do sistema capitalista, que deu KO ao comunismo, ficando sem rival. É hoje a única técnica de produção de riqueza, mas com um custo humano exorbitante. As desigualdades, as exclusões são insuportáveis.
Estou um pouco tentado por uma solução que se poderia dizer cínica. Pode causar-lhe espanto da minha parte, mas enquanto este sistema não tiver produzido efeitos insuportáveis para um grande número, continuará o seu caminho, pois não tem rival... Penso que vamos conhecer na Europa ocidental uma travessia no deserto extremamente dura. Porque já não somos capazes de pagar o preço que os mais pobres do que nós pagam. A ascensão das jovens economias asiáticas, concretamente a da China, supõe um custo que seremos incapazes de suportar. Não só não queremos isso, mas não devemos fazê-lo. Não vamos voltar aos tempos do trabalho infantil!... É por isso que eu sou tão fortemente pró-europeu; só uma economia de grande dimensão permitirá à Europa sair disto."
4. "O Homem é a Alegria do Sim na tristeza do finito." Ricoeur sabe da finitude e do mal e da violência e da morte. Mas, em primeiro lugar, há a vida e o seu esforço de ser: "a morte não é eu como a vida, é sempre a estrangeira." Aqui, radica a esperança como sentimento fundamental: "a esperança diz: o mundo não é a pátria definitiva da liberdade; consinto o mais possível, mas espero ser libertado do terrível." Assim, na última página da sua última grande obra: La Mémoire, l"Histoire, l"Oubli (2000), publicada aos 87 anos, deixou este texto que dá que pensar e que assinou pelo próprio punho: "Sob a história, a memória e o esquecimento. Sob a memória e o esquecimento, a vida. Mas escrever a vida é uma outra história. Inacabamento. Paul Ricoeur."
(ANSELMO BORGES)
No jantar de premiação anual de Ciências Forenses, em 1994 nos Estados Unidos, o perito médico-legista Dr. Don Harper Mills impressionou o público com as complicações legais de uma morte bizarra. Aqui está a história: Em 23 de março de 1994, o médico legista examinou o corpo de Ronald Opus e concluiu que a causa da morte fora um tiro de espingarda na cabeça.O Sr. Opus pulara do alto de um prédio de 10 andares, pretendendo suicidar-se. Ele deixou uma nota de suicídio confirmando sua intenção. Mas quando estava caindo, passando pelo nono andar, Opus foi atingido por um tiro de espingarda na cabeça, que o matou instantaneamente. O que Opus não sabia era que uma rede de segurança havia sido instalada um pouco abaixo, na altura do oitavo andar, a fim de proteger alguns trabalhadores. Portanto, Ronald Opus não teria sido capaz de consumar seu suicídio como pretendia. O Dr. Mills relata que "quando uma pessoa inicia um ato de suicídio e consegue se matar, sua morte é considerada suicídio, mesmo que o mecanismo final da morte não tenha sido o desejado." Mas o fato de Opus ter sido morto em plena queda, no meio de um suicídio que não teria dado certo por causa da rede de segurança, transformou o caso em homicídio. O quarto do nono andar, de onde partiu o tiro assassino, era ocupado por um casal de velhos. Eles estavam discutindo em altos gritos e o marido ameaçava a esposa com uma espingarda. O homem estava tão furioso que, ao apertar o gatilho, o tiro errou completamente sua esposa, atravessando a janela e atingindo o corpo que caía.
Quando alguém tenta matar a vítima "A", mas acidentalmente mata a vítima "B", esse alguém é culpado pelo homicídio de "B". Quando acusado de assassinato, tanto o marido quanto a esposa foram enfáticos, ao afirmarem que a espingarda deveria estar descarregada. O velho disse que tinha o hábito de ameaçar sua esposa com a espingarda descarregada durante suas discussões. Ele jamais tivera a intenção de matá-la. Portanto, o assassinato do sr. Opus parecia ter sido um acidente, ou seja, ambos achavam que a arma estava descarregada, portanto a culpa seria de quem carregara a arma.
A investigação descobriu uma testemunha que vira o filho do casal carregar a espingarda um mês antes. Foi descoberto que a senhora havia cortado a mesada do filho, e este, sabendo das brigas constantes de seus pais, carregara a espingarda na esperança de que seu pai matasse sua mãe. O caso passa a ser, portanto, do assassinato do Sr. Opus pelo filho do casal.
As investigações descobriram que o filho do casal era, na verdade, Ronald Opus. Ele se encontrava frustrado por não ter até então conseguido matar sua mãe. Por isso, em 23 de março, ele se atirou do décimo andar do prédio onde morava, vindo a ser morto por um tiro de espingarda quando passava pela janela do nono andar. Ronald Opus havia efetivamente assassinado a si mesmo, por isso a polícia encerrou o caso como suicídio.
Interessante, não?!...
Em alguns lugares da Terra se rompeu, há dias, a barreira dos 400 ppm de CO2, o que pode acarretar desastres sócio-ambientais de grande magnitude. Se nada de consistente e coletivamente fizermos, podemos conhecer dias tenebrosos. Não é que não podemos fazer mais nada. Se não podemos frear a roda, podemos no entanto diminuir-lhe a velocidade. Podemos e devemos nos adaptar às mudanças e nos organizar para minorar os efeitos prejudiciais. Agora se trata de viver radicalmente os quatro erres: reduzir, reutilizar, reciclar e rearborizar.
Precisamos de uma orientação ética que nos ajude alinhar nossas práticas para a superação da crise atual. Nesse quadro dramático, como fundar um discurso ético minimamente consistente que valha para todos?
Até agora as éticas e as morais se baseavam nas culturas regionais. Hoje na fase planetária da espécie humana precisamos refundar a ética a partir de algo que seja comum a todos e que todos a possam entender e realizar.É o que propunha Paulo Freire com sua Etica Universal do Ser humano que nós acrescentaríamos do ser humano e da Mãe Terra.
Olhando para trás, identificamos duas fontes que orientaram e ainda orientam ética e moralmente as sociedades até os dias de hoje: as religiões e a razão.
As religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maioria da humanidade. Elas nascem de um encontro com o Supremo Valor, com a Última Realidade. Desta experiência nascem os valores de veneração, respeito, amor, solidariedade, compaixão e perdão, fundamentais para a preservação da vida. Muitos pensadores reconhecem que a religião mais que a economia e a política é a força central que mobiliza as pessoas e as leva até a entregar a própria vida (Huntington). Outros chegam até a propor as religiões como a base mais realista e eficaz para se construir “uma ética global para a política e a economia mundias”(Küng). Para isso as religiões devem dialogar entre si. No diálogo acentuar mais os pontos em comum do que os pontos de diferenciação. Com isso pode se inaugurar a paz entre as religiões. Esta paz não se basta a si mesma mas deve animar a paz entre todos os povos e a paz com a natueza e uma paz perene com a Mãe Terra.
A razão crítica, desde que irrompeu, quase simultaneamente em todas as culturas mundiais, no século 6ª a. C. no assim chamado tempo do eixo(Jaspers), tentou estatuir códigos éticos universalmente válidos, baseados fundamentalmente nas virtudes, cuja centralidade ocupava a justiça. Mas afirma também a liberdade, a verdade, o amor e o respeito ao outro.
A fundamentação racional da ética e da moral – ética autônoma – representou um esforço admirável do pensamento humano, desde os mestres gregos Sócrates, Platão, Aristóteles, passando por Immanuel Kant até os modernos Jürgen Habermas, Enrique Dussel e entre nós Henrique de Lima Vaz e Manfredo Oliveira entre outros de nossa cultura.
Entretanto o nível de convencimento desta ética racional foi parco e restrito aos ambientes ilustrados. Por isso com limitada incidência no cotidiano das populações. Mesmo assim está se impondo a justiça ecológica: tratar de forma adequada os processos naturais para que possam ser sustentáveis, vale dizer, se manter, se reproduzir e melhorar.
Esses dois paradigmas não ficam invalidados pela crise atual, mas precisam ser enriquecidos se quisermos estar à altura das desafios que nos vêm da realidade hoje profundamente modificada.
Faça-se urgente uma ética do cuidado e da responsabilidade solidária. Para instaurar este tipo de ética precisamos descer descer àquela instância na qual se formam continuamente os valores, conteúdo principal da ética. A ética, para ganhar um mínimo de consenso, deve brotar da base comum e última da existência humana. Esta base não reside na razão, como sempre pretendeu o Ocidente. A razão – e isso é reconhecido pela própria filosofia – não é nem primeiro nem o último momento da existência. Por isso não explica tudo nem abarca tudo. Ela se abre para baixo de onde emerge, de algo mais elementar e ancestral: a afetividade e o sentimento profundo. Irrompe para cima, para o espírito, que é o momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina na contemplação e na espiritualidade. Portanto, a experiência de base não é “penso, logo existo”, mas “sinto, logo existo”. Na raiz de tudo não está a razão (“logos”), mas a paixão (“pathos”) que se expressa pela sensibilidade e pelo afeto.
Daí o esforço atual de resgatar a razão sensível e cordial (Meffesoli,Cortina,Duarte, Muniz Sodré). Por este tipo de razão captamos o caráter precioso dos seres, aquilo que os torna dignos de serem apetecíveis. É a partir do coração e não tanto da cabeça que vivenciamos os valores. E é por valores que nos movemos e somos. Em último termo, está o amor que é a força maior do universo e o nome próprio de Deus. Essa ética nos pode engajar em práticas para enfrentar o aquecimento global. O cuidado é uma expressão do amor, amor que protege, confere descanso, cura feridas passadas e evita futuras.
Mas temos que ser realistas: a paixão é habitada por um “demônio” que pode ser destruidor. É um caudal fantástico de energia que, como águas de um rio, precisa de margens, de limites e da justa medida. Caso contrário irrompe avassaladora. É aqui que entra a função insubstituível da razão. É próprio da razão ver claro e ordenar, disciplinar e definir a direção da paixão.
Eis que surge uma dialética dramática entre paixão e razão. Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez e a tirania da ordem. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões do puro defrute das coisas. Mas, se vigorar a justa medida e a paixão se servir da razão para um auto-desenvolvimento regrado, então pode surgir uma consciência ética que nos torna responsáveis face ao caos ecológico e ao aquecimento global.
Por ai há caminho a ser percorrido. Para um novo tempo, uma nova ética. E esta nova ética de cunho universal e salvador é o cuidado essencial para com tudo o que existe e vive que está atualmente ameaçado pela voracidade ilimitada humana. Como o cuidado é da essência humana e por isso se encontra em cada pessoa e em todo o ser vivo, ele pode ser acordado e ser transformado num atitude consciente e permanente. Desta forma nos fará ativos face ao aquecimento global, impedindo que ameace nossa existência nesta planeta, tão pequeno, tão belo e tão radiate de vida em todas as suas formas.
(Leonardo Boff é autor do livro Proteger a Terra- cuidar da vida: como evitar o fim do mundo, Record, Rio de Janeiro 2010)
Em 1938 iniciava-se em Harvard o estudo mais completo sobre o bem-estar de homens adultos. Em 1966, George Vaillant, então com 32 anos, tomou as rédeas do que ficou conhecido como Grant Study. Basicamente acompanhou a vida de 268 homens que estudaram em Harvard para determinar que fatores predizem o bem-estar. Há algumas semanas Vaillant publicou as conclusões no livro “Triumphs of Experience”, onde sugere que o denominador comum do bem-estar são as relações íntimas.
Após décadas de entrevistas, pesquisas e viagens para visitar os voluntários do estudo, Vaillant acredita que a essência de nossa existência neste mundo não está somente em “ser” senão em “ser com”, a alteridade está na chama da vida que permite viver mais e melhor.
Quando formularam este experimento, os pesquisadores, segundo os preconceitos da época, consideravam que os fatores mais importantes a seguir tinham a ver com a fisionomia de um homem: sua estatura, seu tipo de corpo e inclusive a importância do tamanho de seu pinto. Este último, infelizmente não mudou muito, a ponto de que ontem mesmo uma mulher matou seu filho de nove anos afogado porque o coitado tinha o peru muito pequenininho.
Mas voltando ao Grant Study: não permite asseverar que o corpo (ao menos não em seu tamanho) é destino (ou felicidade). Em vez disso as características mais decisivas têm a ver com o aspecto qualitativo das relações pessoais. Primeiramente, os homens que vinham de um meio familiar cálido tiveram uma maior ascendência no exército, durante a Segunda Guerra Mundial, que aqueles que cresceram em lares mais frios e com relações parentais menos amorosas.
O tipo e a beleza corporal ou facial resultou inútil para predizer como um homem se daria bem na vida. Também nem sua afiliação política ou inclusive sua classe social, mas ter um alto coeficiente de carinho na infância foi um preditor muito alto de bem-estar. Curiosamente, os homens que mostraram ter um melhor vínculo emocional com seu pai conseguiram viver mais tempo e encontrar maior bem-estar e estado pleno de felicidade, segundo o índice de Vaillant.
Há que salientar que estas relações de carinho entre pai e filho primavam pela educação e responsabilidade, muito diferente do que vemos hoje quando alguns pais tratam os filhos como reizinhos, fazendo tudo o que os pequenos desejam. O resultado pode ser apreciado no dia a dia onde as crianças acham que são donas do mundo e, como no caso de um garoto de 10 anos, reportado pela mídia hoje, que ligou para a polícia para reclamar da mãe, porque não queria ir para a cama. E, pior, ao invés de esquentar a bunda do garoto com uma boa cintada, achou bonitinho, que ele é inteligente… (Ah que lindo!)
Voltando novamente ao Grant Study: dos 31 homens no estudo que não conseguiram desenvolver vínculos íntimos, só quatro permanecem vivos. Enquanto aqueles que sim conseguiram formar relações íntimas, mais de 1/3 continuam desfrutando de sua família e relação. Casal e filhos, esse parece ser o verdadeiro elixir da longevidade dentro de nossa sociedade.
Vaillant considera que as pessoas podem eludir experiências negativas na infância desde que tenham uma influência íntima positiva, a qual, sugere, ofusca aquilo que pode ter saído errado mais cedo. De modo que mais do que falar de idílios infantis, o importante é estabelecer uma relação íntima que guie o desenvolvimento, para além do aspecto das vicissitudes. Outro dos fatores que, segundo ele, se correlacionam são a ordem, a disciplina e a capacidade afetiva.
Ainda que para alguns, àqueles emocionalmente introvetidos ou que não conseguimos manter as relações íntimas, este estudo poderia parecer como uma condenação psicológica (um pouco freudiana), Vaillant notou que algumas pessoas conseguiram mudar já na maturidade, inclusive aos 80 e 90 anos e aprender novos truques: basicamente abrindo seu coração à expressividade e à vinculação emocional. Alguns homens conseguiram “florescer” entre os 60 e 70 anos, abrindo uma brecha de esperança no velho saco de ossos. Segundo escreve David Brooks para o NY Times:
- “Os homens do estudo frequentemente tornaram-se mais conscientes de suas emoções ao envelhecer, mais aptos a reconhecer e expressar emoções. Parte desta explicação é biológica. As pessoas, especialmente os homens, tornam-se mais alertas de suas emoções ao envelhecer[...] Parte disto é provavelmente histórico. Nos últimos 50 anos, a cultura americana descobriu o poder das relações. A masculinidade mudou, ao menos um pouco”.
A visão de Brooks sugere que existe uma pequena revolução emocional, inclusive fala de um efeito Grant similar ao efeito Flynn (que descreve um progressivo aumento nas pontuações QI.), mas em questões de aumento de “inteligência emocional em massa”, ou “o coração torna-se mais inteligente”, com a idade e com a evolução cultural. Isto é discutível, algumas pessoas poderão considerar que em realidade os homens adultos se tornam mais duros -são os idosos e as crianças que tendem à ternura-.
Mas talvez e somente talvez estejamos sim atravessando um período de reconhecimento do valor emocional, uma preponderância sobre o racional e material que antecipa uma mudança de paradigma -algo possivelmente relacionado a um gradual giro de uma sociedade de domínio masculino a uma maior igualdade e a uma maior admissão das qualidades relacionadas historicamente com o feminino-.
Sabemos cientificamente que o contato humano (físico e psicológico) tem efeitos positivos na saúde (entre e quanto mais íntimo, mais poderosos). Sabemos que a forma principal na qual se encontra este contato humano, esta intimidade, é através da abertura emocional, fundamentalmente do desenvolvimento de capacidades empáticas. Seria interessante realizar provas psicométricas e eletroencefalográficas nos homens do estudo para determinar sua facilidade de formar laços de empatia -isto e sua correlação com um índice de felicidade-. De qualquer forma fica, para aquele que quer emular os senhores felizes do estudo de Grant, a tarefa de aguçar sua sensibilidade e percorrer o caminho da desnudez emocional com afinco, tanto como pai tanto como filho ou marido, desta forma talvez podendo subverter a predeterminação das primeiras experiências infelizes.
(O segredo do bem-estar está nas relações íntimas)