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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Sociedades como a nossa, movidas por milhões de homens e mulheres em busca da felicidade, estão se tornando mais ricas, mas não está claro se estão se tornando mais felizes. Parece que a busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se mostrar responsável pelo seu próprio fracasso. Todos os dados empíricos disponíveis indicam que, nas populações das sociedades abastadas, pode não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo de uma vida feliz, e maior felicidade! (Michael Rustin - "What is wrong with happiness?")
A íntima correlação entre crescimento econômico e maior felicidade é amplamente considerada uma das verdades menos questionáveis, talvez até a mais auto-evidente. Ou pelo menos é isso que nos dizem os líderes políticos mais conhecidos e respeitáveis, seus conselheiros e porta-vozes - e que nós, que tendemos a nos basear nas opiniões deles, ficamos repetindo sem pausa para refletir ou pensar melhor. Eles e nós agimos no pressuposto de que essa correlação é genuína. Queremos que eles ajam com base nessa crença de modo ainda mais resoluto e enérgico - e lhes desejamos sorte, esperando que seu sucesso (ou seja, aumentar nossas rendas, o dinheiro à nossa disposição, o volume de nossas posses, bens e riquezas) melhore a qualidade de nossas vidas e nos torne mais felizes.
Segundo praticamente todos os relatórios de pesquisa examinados e resumidos por Rustin, "as melhoras nos padrões de vida em nações como Estados Unidos e Grã-Bretanha não estão associadas a um aumento - e sim a um ligeiro declínio - do bem-estar subjetivo". Robert Lane descobriu que, apesar do imenso e espetacular aumento das rendas dos americanos nos anos do pós-guerra, a felicidade por eles declarada era menor ("The Loss of Happiness in Market Democracies"). E Richard Layard concluiu, a partir de uma comparação de dados transnacionais, que embora os índices de satisfação com a vida declarados cresçam amplamente em paralelo com o nível do PNB, eles só crescem de modo significativo até o ponto em que carência e pobreza dão lugar à satisfação das necessidades essenciais, "de sobrevivência" - e param de subir, ou tendem a decrescer drasticamente, com novos incrementos em termos de riqueza ("Happiness: Lessons from a New Science"). No todo, só uns poucos pontos percentuais separam países com renda média per capita anual entre 20 mil e 35 mil dólares daqueles situados abaixo da barreira dos 10 mil dólares. A estratégia de tornar as pessoas mais felizes aumentando suas rendas aparentemente não funciona. Por outro lado, um indicador social que até agora parece estar crescendo de modo espetacular paralelamente ao nível de riqueza - na verdade, tão rapidamente quanto se prometia e esperava que aumentasse o bem-estar subjetivo - é a taxa de criminalidade: roubos a residências e de automóveis, tráfico de drogas, suborno e corrupção no mundo dos negócios. E cresce também uma incômoda e desconfortável sensação de incerteza difícil de suportar, e com a qual é ainda mais difícil conviver permanentemente. Uma incerteza difusa e "ambiente", ubíqua mas aparentemente desarraigada, indefinida e por isso mesmo a-inda mais perturbadora e exasperante...
Essas descobertas parecem profundamente decepcionantes, considerando-se que precisamente o aumento do volume total de felicidade "do maior número de pessoas" - um aumento provocado pelo crescimento econômico e por uma ampliação do volume de dinheiro e crédito disponíveis - foi declarado, durante as últimas décadas, o propósito principal a orientar as políticas estabelecidas por nossos governos, assim como as estratégias de "política de vida" colocadas em prática por nós mesmos, seus súditos. Também serviu de régua principal para medir o sucesso e o fracasso de políticas governamentais, assim como de nossa busca da felicidade. Poderíamos até dizer que nossa era moderna começou verdadeiramente com a proclamação do direito humano universal à busca da felicidade, e da promessa de demonstrar sua superioridade em relação às formas de vida que ela substituiu tornando essa busca menos árdua e penosa, e ao mesmo tempo mais eficaz. Podemos perguntar, então, se os meios indicados para se alcançar essa demonstração (principalmente o crescimento econômico contínuo, tal como mensurado pelo aumento do "produto nacional bruto") foram escolhidos erroneamente. Nesse caso, o que exatamente estava errado nessa escolha?
(...) Presume-se que o aumento do dispêndio de dinheiro deva coincidir com um movimento ascendente similar da felicidade daqueles que o gastam, mas isso não é imediatamente óbvio. Se, por exemplo, a busca da felicidade como tal, reconhecida como atividade absorvente, consumidora de energia, enervante e repleta de riscos, provoca maior incidência de depressão psicológica, provavelmente mais dinheiro será gasto com antidepressivos. Se, graças a um aumento do número de proprietários de automóveis, a freqüência de acidentes de carros e o número de suas vítimas crescem, assim também as despesas com consertos de veículos e tratamento médico. Se a qualidade da água potável continuar se deteriorando, mais e mais dinheiro será gasto comprando-se garrafas de água mineral a serem carregadas em nossas mochilas ou malas em toda viagem, longa ou curta (vão nos pedir para esvaziar o conteúdo da garrafa ali mesmo quando chegarmos a este lado do controle de segurança do aeroporto, e precisaremos comprar outra garrafa do lado de lá). Em todos esses casos, e numa multiplicidade de situações similares, mais dinheiro troca de mãos, aumentando os números do PNB. Isso é certo. Mas bem menos óbvio é um crescimento paralelo da felicidade dos consumidores de antidepressivos, vítimas de acidentes de automóveis, portadores de garrafas de água - e, de fato, de tantas pessoas que se preocupam com a má sorte e temem que sua vez de sofrer esteja chegando. Nada disso deveria realmente ser novidade.
(...) Nosso PNB considera em seus cálculos a poluição do ar, a publicidade do fumo e as ambulâncias que rodam para coletar os feridos em nossas rodovias. Ele registra os custos dos sistemas de segurança que instalamos para proteger nossos lares e as prisões em que trancafiamos os que conseguem burlá-los. Ele leva em conta a destruição de nossas florestas de sequóias e sua substi-tuição por uma urbanização descontrolada e caótica. Ele inclui a produção de napalm, armas nucleares e dos veículos armados usados pela polícia para reprimir a desordem urbana. Ele registra... programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos a crianças. Por outro lado, o PNB não observa a saúde de nossos filhos, a qualidade de nossa educação ou a alegria de nossos jogos. Não mede a beleza de nossa poesia e a solidez de nossos matrimônios. Não se preocupa em avaliar a qualidade de nossos debates políticos e a integridade de nossos representantes. Não considera nossa coragem, sabedoria e cultura. Nada diz sobre nossa compaixão e dedicação a nosso país. Em resumo, o PNB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena (Jean-Claude Michéa, "L'Empire du moindre mal, Essai sur la civilisation libérale").
(Zygmunt Bauman - "A Arte da Vida")
Os únicos males futuros que devem, com razão, alarmar-nos, são aqueles cuja chegada e cujo momento são seguros. Porém esses são muito poucos; porque os males são ou simplesmente possíveis, no máximo prováveis, ou são certos; o tempo de sua chegada, todavia, é incerto. Assim, se cedermos a esses dois males, já não teremos sequer um momento de paz. Portanto, para que não percamos a tranquilidade devido a males incertos e indefinidos, devemos nos acostumar a considerar o primeiro como algo que provavelmente nunca ocorrerá e o segundo como algo que provavelmente ocorrerá, mas não em breve.
Porém, quanto menos nossa paz é incomodada pelo medo, mais somos agitados por desejos, cobiças e pretensões. O verdadeiro sentido da tão conhecida canção de Goethe, Ich hab’ mein’ Sach auf nichts gestellt [não depositei minhas esperanças em nada], é que apenas após ter se livrado de todas as possíveis pretensões, retornando à existência tal como é, o homem pode alcançar a tranquilidade que constitui a base da felicidade humana. Porque essa calma é necessária para que o presente seja suportável e, portanto, a vida inteira. Para tal fim, deveríamos sempre ter em mente que o hoje só vem uma vez e nunca mais. Porém, imaginamos que voltará amanhã; todavia, amanhã é outro dia que também só virá uma vez. Esquecemos que cada dia é uma parte integral e, por conseguinte, insubstituível da vida, e a encaramos como se fosse uma noção ou nome coletivo em que não há prejuízo se um dos indivíduos que abarca for destruído. Também apreciaríamos e desfrutaríamos melhor o presente se, nos dias de bem-estar e saúde, não deixássemos de refletir sobre como, durante a enfermidade ou a aflição, as lembranças das horas que decorreram sem dor e privação nos pareceram dignas de inveja – como um paraíso perdido, um amigo esquecido ao qual não demos o merecido valor. Porém, vivemos nossos bons dias sem percebê-los; só quando chegamos aos dias ruins desejamos recuperá-los. Deixamos passar mil horas alegres e agradáveis sem conceder-lhes um sorriso, e depois suspiramos por elas quando os tempos são sombrios. Em vez disso, deveríamos aproveitar cada momento presente que seja suportável, mesmo o mais corriqueiro, que deixamos passar com indiferença ou mesmo apressamos impacientemente. Deveríamos sempre ter em mente que tais momentos no mesmo instante estão se precipitando na apoteose do passado, onde a memória os preservará transfigurados e brilhantes com uma luz imortal, e representarão a nossos olhos o objeto de nossos anseios mais profundos quando, especialmente nas horas de infortúnio, a recordação vem a levantar o véu.