A respeito da pedofilia na ICAR, o cardeal patriarca de Lisboa afirmou que "o delito de um padre não é um delito da Igreja" numa clara tentativa de exorcizar um delito que, como tem sido provado nos últimos anos, está profundamente enraizado na cultura da igreja católica romana. ( http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/sociedade/padres-isentos-de-revelar-abusos-com-video )
Os episódios de pedofilia que, pouco a pouco, vão-se manifestando por todo o mundo, evidenciam contradições estruturais da instituição Igreja. É claro que cada pedófilo deve responder individualmente perante as vítimas e perante a justiça, mas a responsabilidade individual não absolve a responsabilidade da instituição.
Bento XVI e grande parte dos bispos falam de tolerância zero para com os padres pedófilos, curiosamente utilizando uma linguagem de extrema direita, mas ignoram a procura das raízes do fenômeno na estrutura da própria instituição eclesial. Tinha que ser aí mesmo, na estrutura do sagrado, que se deveria aplicar a tolerância zero. É por demais conhecida a relação estreita entre sexo e poder. Já para os gregos e romanos o falo era símbolo do poder. Na Roma antiga, as dimensões e a forma do pénis não raramente favoreciam a carreira militar e política. Tudo o que se ergue parece ter uma referência fálica. Obeliscos, campanários, torres, o báculo, a pastoral, a mitra episcopal, que coisa são se não símbolos fálicos?! Não é por acaso que na igreja romana o poder é reservado ao sexo masculino e negado em absoluto às mulheres.
A pedofilia é interna a esta relação entre sexo e poder. Quem procura crianças para satisfazer o seu apetite sexual, fá-lo para exprimir a própria sede de domínio para com uma criatura mais frágil. É esta sede de domínio a raiz mais profunda da pedofilia. É esta sede de domínio que deveria ser extirpada da estrutura do sagrado.
E que dizer das lavagens cerebrais feitas nas homilías e nas catequeses ou nas aulas de moral onde se procura incutir nos fiéis o sentimento de culpa e de pecado. Como uma mãe possessiva a Igreja parece querer manter os seus fiéis numa perene condição infantil. Não querendo ser mal interpretado, vem a vontade de chamar a tudo isso “pedofilia estrutural” da Igreja que endoutrina homens e mulheres de forma acrítica de modo a permanecerem perenemente crianças. E a sacralização do poder eclesiástico, a teologia e a pastoral do desprezo do corpo, do sexo e do prazer, a condenação das relações entre sexos que não seja consagrada pelo sacramento do matrimónio, não pertence tudo isso ao domínio da violência?
É hora de criar-se um movimento em grande escala para restituir ao cristianismo o sentido da libertação do sagrado, enquanto realidade separada, libertação não apenas de opressões econômicas e políticas, mas também psicológicas, ético-morais, simbólicas. Talvez a pedofilia não desapareça de vez, mas sem dúvida sofrerá um golpe profundo e não apenas os padres pedófilos.