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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
"Matemo-lo e fiquemos com a sua herança". (cfr.: Mt 21,33-43) Estas palavras dos feitores da vinha recordam-me os gritos do louco na obra do filósofo F. Nietzsche, a «Gaia Ciência»: "Onde está Deus? Eu vou dizer-vos. Nós matámo-lo, vós e eu! Somos todos seus assassinos! Mas, como é que podemos ter feito isso?... Que fizemos ao cortar a cadeia que unia esta terra ao sol? Para onde se dirige ela agora? Para onde nos dirigimos nós?" Segundo F. Nietzsche, o maior acontecimento dos tempos modernos é que "Deus morreu". Deus não existe. Não existiu nunca. Apenas existem os homens, sós, para construir o nosso futuro. Esta é a convicção profunda que se encerra em todos os projectos de libertação que se lhe oferecem ao homem moderno, sejam de carácter cientifista, de inspiração marxista ou de origem freudiano. As religiões representam hoje uma resposta arcaica, ineficaz, insuficiente para libertar o homem. Uma resposta ligada a uma fase ainda infantil e atrasada da história humana. Chegou o momento de nos emanciparmos de toda a tutela religiosa. Deus é um obstáculo para a autonomia e o crescimento do homem. Há que matar Deus para que nasça o verdadeiro homem. É, uma vez mais, a atitude dos vinhateiros da parábola: "Vinde, matemo-lo e fiquemos com a sua herança" (Mt 21,33-46). Contudo, a história recente destes anos começa a descobrir-nos que não é tão fácil para o homem recolher a herança de «um Deus morto». De facto, depois da declaração solene da morte de Deus, são bastantes os que começam a entrever a morte do homem. Bastantes os que se perguntam como A. Malraux se o «verdugo de Deus» poderá sobreviver à sua vítima. As revoluções socialistas não parecem ter trazido consigo a liberdade a que o homem aspira desde o mais profundo do seu ser. A livre expansão dos impulsos instintivos, pregada por S. Freud, longe de fazer surgir um homem mais são e maduro, parece originar novas neuroses, frustrações e uma incapacidade cada vez mais profunda para o amor de comunhão. «O desenvolvimento científico, privado de direcção e de sentido, está convertendo o mundo numa imensa fábrica» (Marcuse-H) e vai produzindo não apenas máquinas que se assemelham a homens mas «homens que se assemelham cada vez mais a máquinas» (I. Silone). Este homem, frustrado nas suas necessidades mais autênticas, vítima da «neurose mais radical» que é a falta de sentido globalizante para a sua existência, atemorizado ante a possibilidade já real de uma auto-destruição total, não estará necessitado mais do que nunca de Deus? Mas, encontrará ainda, entre os crentes, esse Deus capaz de fazer o homem mais responsável, mais livre e mais humano?
A expressão "um mundo mais justo e fraterno" anda na boca de toda a gente como um sonho lindo que todos queremos realizar. Ao mesmo tempo, há um certo desencanto em todos os grupos sociais ao verificarem que, após tantas tentativas, a justiça tarda e as injustiças alastram. É certo que, objectivamente falando, tem-se verificado um grande progresso no que se refere à tomada de consciência, defesa e promoção dos direitos dos cidadãos. Haja em vista a situação da assistência social, hoje, comparada com a do início deste século. Apesar disso, o descontentamento é generalizado porque, ao comparar o projecto de justiça social que arquitectamos e a realidade que vivemos, ainda nos encontramos muito longe do que já devíamos ter alcançado. Ainda somos vítimas de muitas injustiças. Há diferenças muito gritantes no campo económico, cultural, social e político, entre os diversos sectores e grupos sociais. E porque será que ainda não atingimos, ao menos, um nível mínimo razoável do exercício da justiça? Há consciência da justiça social como nunca. Há progresso económico indesmentível. Há possibilidades tecnológicas que nem sequer se poderiam imaginar há poucas décadas. Há muitas riquezas já exploradas e muitas mais por explorar. Não falta nada! Porque é que falta quase tudo para a maioria? O "pão" é superabundante e, no entanto, milhões de pessoas passam "fome"! Sem dúvida que as grandes palavras do século XX, «liberdade», «justiça», «felicidade», revolucionaram o mundo, mas, essas mesmas palavras, estão hoje em crise. E isto não são teorias dos pensadores. Sentem-no assim os povos dos países mais desenvolvidos. Na sociedade moderna respira-se uma manifesta crise de valores. Parece que a desmesurada ambição de ter abafou a necessidade de ser. Daí que a fé no progresso começa a ser substituída pelo pessimismo. E, por isso, muita gente se interroga sobre o que é que nos espera no futuro? Por outro lado, a fé cristã parece ter perdido a sua força para dar sentido e alento ao ser humano. Não são poucos os que consideram a religião como uma fase já ultrapassada no quadro do desenvolvimento da humanidade. Entre os próprios cristãos, as coisas mudaram profundamente em poucos anos. Cresce a indiferença, o abandono e a «apostasía silenciosa». Difunde-se em não poucos um «desafecto interior» para com a Igreja. Talvez pela primeira vez amplos sectores de pessoas que se dizem cristãs percebem de maneira difusa, a níveis profundos da sua consciência, uma espécie de insegurança ou desassossego em volta da sua fé. São tempos em que a humanidade anda em busca de uma mensagem de esperança. Uma experiência nova capaz de libertar o homem contemporâneo da descrença, do cansaço e da indiferença. O mais importante nestes momentos não é potenciar a autoridade religiosa para impor desde fora uma segurança. Como diz o teólogo alemão Heinz Zahrnt, a renovação não chegará «administrando burocraticamente os resíduos de fé» da sociedade contemporânea. O mais importante não é nem sequer o desenvolvimento da teologia especializada. Alguém disse com ironia que «primeiramente se falava com Deus, depois começou-se a falar de Deus, mais tarde passou-se a falar do problema de Deus e acabou-se falando da possibilidade de falar acerca de Deus». A teologia é necessária, mas o certo é que a esperança apenas pode vir de um Deus que é maior que todas as nossas discussões doutrinais. O que o homem de hoje necessita é que alguém o ajude a encontrar-se com «o Deus da esperança». Um Deus em quem se possa crer, não por tradição, não por medo do inferno ou do fim do mundo, não porque alguém o ordena assim, não porque alguém o explica brilhantemente, mas sim porque pode ser experimentado como fundamento sólido de esperança para o ser humano. Esse Deus só pode ser anunciado por crentes que vivam eles próprios radicalmente animados pela esperança. O testemunho de «uma esperança vivida» é a melhor resposta a todos os cepticismos (descenças), indiferenças e abandonos. O Advento,esse tempo de preparação para o Natal de Jesus,é um chamamento para o despertar da esperança. Se o cristianismo perde a esperança, perdeu tudo. Como cristãos «habituados a crer desde sempre», que fizemos da esperança cristã?