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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Uma das questões que ocupou a reflexão de Aristóteles foi: “Como devemos viver?”. Sócrates e Platão já haviam feito essa pergunta. A necessidade de respondê-la faz parte do que leva as pessoas à filosofia pela primeira vez. Aristóteles tinha uma resposta própria, que em sua versão simples era: “Buscando a felicidade”.
Mas o que significa “buscar a felicidade”? Hoje muitas pessoas entenderiam a expressão como modos de curtir a si próprias. Para você, talvez a felicidade envolva férias no exterior, ir a festas e festivais de música ou desfrutar o tempo com os amigos. Ou ainda agarrar o seu livro predileto, ou ir a uma galeria de arte. Essas coisas podem até ser ingredientes de uma boa vida, mas Aristóteles certamente não acreditava que a melhor maneira de viver era sair em busca de prazeres como esses. Na visão dele, uma boa vida não se resumiria a isso. A palavra grega que Aristóteles usava era eudaimonia, que costuma ser traduzida como “prosperidade” ou “sucesso”, e não como “felicidade”. É algo que vai além das sensações de prazer que temos ao tomar sorvete de manga ou acompanhar a vitória de um time esportivo. A eudaimonia não diz respeito a momentos efêmeros de alegria, ou a como nos sentimos. Ela é mais objetiva do que isso. Trata-se de um termo bastante difícil de compreender, pois estamos muito acostumados a pensar que a felicidade diz respeito apenas ao modo como nos sentimos.
Pense numa planta. Se você regá-la, colocá-la para tomar luz e talvez adubá-la um pouco, ela vai crescer e florescer. Se negligenciá-la, a mantiver no escuro, deixar que insetos comam suas folhas ou que ela seque, ela vai murchar e morrer, ou no mínimo parecer uma planta nada viçosa. Os seres humanos também podem florescer como as plantas, embora nós, diferentemente delas, façamos escolhas sobre nós mesmos: decidimos o que queremos ser e fazer.
Aristóteles estava convencido da existência da natureza humana e de que os seres humanos, como dizia, têm uma função. Há um modo de vida que combina mais conosco. O que nos distancia dos animais e de todas as outras coisas é o fato de podermos pensar e raciocinar sobre o que devemos fazer. A partir disso, ele concluiu que o melhor tipo de vida para o ser humano é aquele que usa os poderes da razão.
Surpreendentemente, Aristóteles acreditava que as coisas sobre as quais não sabemos nada – inclusive os acontecimentos após a morte – poderiam contribuir para a nossa eudaimonia. Isso soa estranho. Supondo que não exista vida após a morte, de que maneira as coisas que acontecem quando não estamos mais por perto afetam nossa felicidade? Bem, imagine que você tenha filhos e que sua felicidade resida, em parte, nas esperanças para o futuro das crianças. Se, de forma lamentável, seu filho adoece seriamente depois de você ter morrido, a sua eudaimonia terá sido afetada por isso. Na visão de Aristóteles, sua vida terá piorado, mesmo que você realmente não saiba sobre a doença do seu filho e não esteja mais vivo. Isso explicita bem sua ideia de que a felicidade não é só uma questão de como nos sentimos. A felicidade, nesse sentido, diz respeito à nossa realização global na vida, algo que pode ser afetado pelo que acontece com as pessoas que são importantes para nós. Essa realização também pode ser afetada pelos eventos que não controlamos e não conhecemos. O fato de estarmos ou não felizes depende parcialmente da boa sorte.
A questão central é: “O que podemos fazer para aumentar a chance da eudaimonia?”. A resposta de Aristóteles era: “Desenvolver o tipo certo de caráter”. Precisamos sentir os tipos certos de emoção no momento certo, e eles farão com que nos comportemos bem. Em parte, isso dependerá de como fomos criados, pois a melhor maneira de desenvolver bons hábitos é praticá-los desde cedo. Portanto, a sorte também tem o seu papel nisso. Bons padrões de comportamento são virtudes; padrões ruins são vícios.
Pense na virtude da coragem durante a guerra. Talvez um soldado precise colocar a própria vida em risco para salvar alguns cidadãos do ataque de um exército. O temerário não se preocupa com a própria segurança. Ele também poderia entrar numa situação perigosa, talvez até quando não precisasse, mas isso não é a verdadeira coragem, e sim a ação imprudente de correr riscos. No outro extremo, o soldado covarde não consegue superar seu medo o suficiente para agir de maneira apropriada e ficará paralisado diante do terror no momento exato em que mais se precisa dele. O sujeito valente ou corajoso, no entanto, também sente medo nessa situação, mas é capaz de dominá-lo e agir. Aristóteles pensava que toda virtude está entre dois extremos como esses. Aqui, a coragem está na metade do caminho entre a temeridade e a covardia. Isso costuma ser chamado na doutrina de Aristóteles de justo meio.
(Nigel Warburton - "Uma breve história da filosofia")