Nas igrejas pede-se frequentemente dinheiro para os necessitados, mas dificilmente se expõe hoje a alguém a doutrina cristã que sobre o dinheiro pregaram com força teólogos e pregadores como S.to Ambrósio de Tréveris, S.to Agostinho de Hipona ou S. Bernardo de Claraval. De facto, uma pergunta aparece constantemente nos seus lábios. Se todos somos irmãos e a terra é uma oferta de Deus a toda a humanidade, com que direito se pode continuar a açambarcar o que não necessitamos, se com isso estamos a privar outros do que necessitam para viver? Não seria mais correcto afirmar que o que lhe sobra ao rico pertence ao pobre? Não podemos esquecer que possuir algo sempre significa excluir daquilo os outros. Com a «propriedade privada» estamos sempre "a privar" os outros daquilo que nós desfrutamos. Por isso, quando damos algo nosso aos pobres, talvez estejamos na realidade, a restituir o que não nos corresponde totalmente. Escutemos estas palavras de S.to Ambrósio: "Não dás ao pobre o que é teu, mas devolves-lhe o que é seu. Pois o que é comum é de todos, não apenas dos ricos... Pagas, portanto, uma dívida; não dás gratuitamente o que não deves». Naturalmente, tudo isto pode parecer idealismo ingénuo e inútil. As leis protegem de maneira inflexível a propriedade privada dos grandes potentados mesmo que dentro da sociedade haja pobres que vivem na miséria. São Bernardo reagia assim no seu tempo: «Citam-se continuamente leis nos nossos palácios; mas são leis de Justiniano, não do Senhor». A este propósito, permitam-me que faça aqui um pequenino parêntesis: Se São Bernardo dizia isso no seu tempo, o que não diria hoje da nossa Assembleia da República ou dos nossos Tribunais, quando as leis são manipuladas segundo a oportunidade do momento? Quando a Assembleia da República é dessacralizada pelos próprios deputados eleitos pelo povo? De facto parece que vivemos num País onde há uma lei para os poderosos (os políticos, os magistrados) e outra lei bem diferente para o comum dos cidadãos. Não nos venham pois contar que a Justiça é cega, porque o povo já não vai em histórias. E estando as coisas assim, quando uns são tratados como filhos e outros como enteados, temos que interrogar-nos seriamente sobre o Estado de direito da Nação. De facto, é preciso que nunca nos esqueçamos que a maior conquista da democracia é o "Estado de Direito", onde os direitos e os deveres são iguais para todos, onde há igualdade de oportunidades: no acesso à justiça, no acesso ao trabalho, no acesso à educação, no acesso à saúde... no acesso a tudo aquilo que diz respeito à dignidade e ao bem-estar dos cidadãos. Não nos admiramos, portanto, que Jesus, ao encontrar-se com um homem rico que cumpriu desde criança todos os mandamentos, lhe diga que ainda lhe falta uma coisa para ser perfeito, para alcançar a vida eterna, para poder segui-Lo: deixar de açambarcar e começar a partilhar, o que tem e o que é, com os necessitados. O rico afastou-se de Jesus cheio de tristeza. O dinheiro empobreceu-o, tirou-lhe a liberdade e a generosidade. O dinheiro impede-o de escutar o chamamento de Deus a uma vida mais plena e mais humana. «Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus». Não é uma sorte ter dinheiro mas um verdadeiro problema. Pois o dinheiro fecha-nos a passagem e impede-nos de seguir o caminho verdadeiro para a vida eterna. Quando falamos em vida eterna, não estamos a falar, apenas, na vida que nos espera no céu; mas estamos a falar de uma vida plena de qualidade, de uma vida que leva o homem à sua plena realização, de uma vida de paz e de felicidade. A vida tem sentido não por aquilo que temos, mas por aquilo que somos. E quem somos? Independentemente da nossa raça, condição social ou grau de cultura, somos obra de Deus. Perder o sentido de nossa dignidade significa construir uma vida vazia.