O ILUMINISMO forneceu boa parte do fermento intelectual de eventos políticos que se revelariam de extrema importância para a constituição do mundo moderno, tais como a Revolução Francesa, a Constituição polaca de 1791, a Revolução Dezembrista na Rússia em 1825, o movimento de independência na Grécia e nos Balcãs, bem como, naturalmente, os diversos movimentos de emancipação nacional ocorridos no continente americano a partir de 1776.
Muitos autores associam ao ideário iluminista o surgimento das principais correntes de pensamento que caracterizariam o século XIX, a saber, liberalismo, socialismo, e social-democracia.
“Pois bem, onde fica o iluminismo? A estratégia iluminista, penso, é o avesso radical do ideal estóico. Em vez de buscar a libertação da tirania dos desejos sobre o espírito dos homens, tratava-se de libertar os desejos, ou seja, insuflar e dar livre curso a certos impulsos e fantasias dos homens, especialmente no campo das aspirações de ganho monetário e consumo material, e de transformar o mundo para garantir a sua máxima satisfação. O ideal iluminista reflete, em suma, uma barganha faustiana — vender a alma ao demônio em troca de poder sobre o mundo. Ele representa uma aposta monumental na conquista da felicidade pela crescente, violenta e sistemática subjugação do mundo natural aos propósitos e caprichos humanos. A palavra de ordem é dominar a natureza. “No princípio era a ação.”
... Foi na filosofia renascentista de Bacon e Giordano Bruno que surgiu esta idéia terrível de que torturando e bulindo experimentalmente com a natureza nós conseguiríamos arrancar dela os seus segredos; de que ao possuí-la e subjugá-la nós poderíamos vencer a escassez e submeter o mundo aos nossos desígnios e vontades; e de que desse modo poderíamos recriar pelo engenho e sagacidade um novo “jardim das delícias”, um paraíso tecnológico de turbinas, robôs, viagras e disneylândias no qual “o homem se faria a si próprio um deus sobre a Terra” (Bruno). As sementes plantadas no renascimento vingaram e medraram nesta ejaculação vulcânica da libido dominandi que foi o iluminismo europeu. A colheita, porém, não deu os frutos pretendidos.
O erro capital do projeto iluminista foi dar uma ênfase desmesurada à transformação e à conquista do mundo objetivo em detrimento de uma atenção maior à questão dos desejos e ao lado contemplativo da realização humana. Não se trata, é claro, de ir para o tudo ou nada. Não estou defendendo um estoicismo ou budismo universais. Mas se o quietismo fatalista dos estóicos e orientais tem sérias deficiências na vida prática, o voluntarismo faustiano que herdamos do projeto iluminista — e que a globalização está espalhando pelo mundo com a ferocidade de uma praga — deixa muito a desejar, para dizer o mínimo, no plano espiritual.
E na verdade, pensando bem, nem só nele. Vejam no que deu brincar de aprendiz de feiticeiro na manipulação do meio ambiente e no consumo pantagruélico de recursos naturais. A ameaça de uma catástrofe ecológica não deixa de ser um espantoso paradoxo desta civilização que fez da racionalidade e do progresso os seus grandes princípios unificadores. O que era para ser a salvação secular do homem, a reparação dos males oriundos do pecado original, acabou se tornando uma ameaça concreta de extinção biológica da espécie. E tudo isso em nome do quê? Da felicidade geral? O resultado aí está: “Especialistas sem espírito, sensualistas sem coração — e esta nulidade se considera, ainda por cima, o supra-sumo da civilização”. Vivemos em meio a um aterrador crepúsculo espiritual.” (Eduardo Gianetti, in “Felicidade”)