Uma característica essencial do ser humano é que conjugamos os verbos no passado, no presente e no futuro.
Há quem julgue que a salvação está no passado. Há sempre os saudosistas do passado: antigamente é que era bom. É a saudade do Paraíso perdido...
Também há aqueles que não querem preocupar-se nem com o passado nem com o futuro. O que há é o aqui e agora, o presente a que se segue outro presente. A salvação consiste no amor e fruição do presente...
Depois, há os sonhadores e os ascetas. Fogem do agora, para refugiar-se no amanhã. Nunca estão no presente, pois a sua morada é só o futuro...
Ora, se pensarmos bem, se, por um lado, não podemos instalar-nos no passado, por outro, nenhum ser humano pode abandonar o passado, como se fosse sempre e só o ultrapassado. De facto, quando damos por nós, já lá estamos, o que significa que vimos de um passado, que nem sequer dominamos. E temos de aprender com o passado, para, a partir dele, nos decidirmos no presente.
Depois, também não é possível a simples instalação no presente, pois só podemos viver no presente projectando-nos constantemente no futuro. O ser humano está estruturalmente voltado para o futuro, pois é constitutivamente um ser esperante.
Mas, aqui, é necessário perguntar-se: não é a esperança filha da infelicidade e do temor? É célebre a afirmação de Espinosa: "Não há esperança sem temor, nem temor sem esperança". O que é que isto quer dizer?
Vivemos voltados para o futuro, pois somos projecto: agimos e somos, antecipando sempre. Sem esta antecipação, não poderíamos agir humanamente. Mas, por outro lado, não se pode esquecer que realmente a esperança também significa que, se desejamos, é porque não temos, e isso implica que se não é feliz. E, depois, quando temos, há sempre o temor de perder o que temos, o que nos coloca em permanente inquietação...
Viver humanamente não pode, portanto, significar viver exclusivamente do futuro e para o futuro, pois viver unicamente da esperança é nunca viver, já que verdadeiramente só se vive no presente. Viver unicamente da esperança seria adiar constantemente a vida, no sentido do viver. Aliás, colocar permanentemente o presente ao serviço do futuro, vê-lo exclusivamente em função do futuro, é abrir as portas ao perigo da tirania: quantos homens e mulheres não foram de facto vítimas do sonho de "amanhãs que cantam"?!...
É isso: querer viver exclusivamente do presente e para o presente não é humano, pois isso significaria viver na imediatidade animal, sem horizonte de futuro e transcendência. Mas, por outro lado, quem quisesse viver exclusivamente do futuro e para o futuro nunca poderia afastar a dúvida de estar apenas a lidar com as suas ilusões.
Assim, a arte de viver humanamente consiste em, a partir do passado, viver com tal intensidade e dignidade o presente que se torna legítimo esperar a vida plena futura...
(Anselmo Borges - "Janelas do (In)Visível")