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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Que é perder o Paraíso? Tornar-se mortal, separar-se de Deus e conhecer a dor (lavrar a terra estéril, parir no sofrimento). O pecado original (tanto no sentido de primeiro pecado quanto no de pecado da origem) é uma queda: separarse de Deus, descobrir a morte e a dor, conhecer a carência e a falta. É nessa constelação de sentidos que se desenvolverá a meditação dos primeiros Padres da Igreja sobre o sexo.
A queda, o distanciar-se para sempre de Deus, é o sentimento de um rebaixamento real e do qual a descoberta do sexo como vergonha e dor futura é o momento privilegiado. Com ele, os humanos descobrem o que é possuir corpo. Corporeidade significa carência (necessidade de outra coisa para ”sobreviver), desejo (necessidade de outrem para viver), limite (percepção de obstáculos) e mortalidade (pois nascer significa que não se é eterno, é ter começo e fim). O pecado original é originário porque descobre a essência dos humanos: somos seres finitos. A finitude é a queda.
Separar-se de Deus é descobrir os efeitos de não possuir atributos divinos: eternidade, infinitude, incorporeidade, auto-suficiência e plenitude. Ora, pelo sexo, os humanos não somente reafirmam sem cessar que são corpóreos e carentes, mas também não cessam de reproduzir seres finitos. O sexo é o mal porque é a perpetuação da finitude. Nele, está inscrita a morte como diria, séculos mais tarde, Freud. Ou o poeta, respondendo à pergunta: o que é o homem? com a resposta: ”cadáver adiado que procria”.
Os primeiros cristãos, julgando que a morte e ressurreição de Cristo eram sinais de que logo viria o Juízo final e a imortalidade seria reconquistada, graças à Redenção, consideraram desnecessárias as relações sexuais, pois já não havia por que nem para que perpetuar a espécie humana, inúmeras seitas proibindo o sexo. Essa idéia ressurgiu com a aproximação do ano 1.000, o primeiro milênio; reapareceu na grande crise do Papado e do Sacro Império Romano-Germano, no século XIII, quando muitos esperavam a vinda do AntiCristo; e parece estar recomeçando em vários lugares agora, com a aproximação do segundo milênio, o ano 2.000.
A vinculação do sexo com a morte e, conseqüentemente, do sexo com a procriação, faz com que na religião cristã a sexualidade se restrinja à função reprodutora. Embora o sexo esteja essencialmente atado ao pecado, todas as atividades sexuais que não tenham finalidade procriadora são consideradas ainda mais pecaminosas, colocadas sob a categoria da concupiscência e da luxúria e como pecados mortais. Além disso, como o sexo é função vital de um ser decaído, quanto menor a necessidade sexual sentida, tanto menos decaído alguém se torna, purificando-se cada vez mais. Donde toda uma pedagogia cristã que incentiva e estimula a prática da continência (moderação) e da abstinência (supressão) sexuais, graças a disciplinas corporais e espirituais, de tal modo que a elevação espiritual traz como conseqüência o abaixamento da intensidade do desejo e, conforme à mesma mecânica, a elevação da intensidade do desejo sexual traz o abaixamento espiritual.
(Marilena Chaui – “Repressão Sexual”)