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O “VINHO” ANTES DO VINHO

por Thynus, em 05.06.15
Há mais filosofia e sabedoria numa garrafa de vinho, que em todos os livros.
 (Louis Pasteur)

 
No princípio era o verbo. E o nome do vinho precedeu a cultura da vinha. A pré-história do vinho remonta a vários milênios antes do início da era cristã, com o Soma, bebida sacrificial fermentada da Índia védica, que além de uma mistura mágica era um deus poderoso. Essa “poção da imortalidade” não era um vinho de uvas mas o suco de uma planta sacrificial (ao que tudo indica, a Asclepias acida) que provavelmente tinha propriedades psicotrópicas ou psicodélicas. E o licor do Soma tinha o nome de Vena.
Do Vena (amado, em sânscrito) se originaram os nomes que designam o vinho em quase todas as línguas e povos da Europa: é o caso do russo (vino), do grego (woinos, depois oinos), do latim (vinum), do italiano e do espanhol (vino), do português (vinho), do alemão (wein), do inglês (wine) e do francês (vin).
De origem mítica (Capítulo I), de essência mística (Capítulo II), de natureza santificada (Capítulo III), de consumo francês (Capítulo IV), europeu (Capítulo V) e mundial (Capítulo VI), o vinho sempre foi uma bebida civilizatória. O vinho é muito mais do que “vinho”: é um patrimônio da humanidade.

(Jean-Framçois Gautier - Vinho)
 

O homem moderno trocou o campo pela cidade. Atenuou a força das estações, o calor e o frio. Iluminou a noite, domesticou o espaço. No entanto, nostálgico dos ritmos naturais, continua em busca de suas raízes.
À procura do Graal, que não consegue alcançar, o cavaleiro da Távola Redonda é a imagem do homem atual, que gira o mundo sem conseguir se aquietar. Sempre mais rápido! Sempre mais longe!
A vinha e o vinho, ricos em simbologias, são sem dúvida mais do que nunca os laços, a cada ano revivificados pela nova colheita, que nos unem a nosso passado, mas que nos projetam em direção ao futuro, na esperança do amadurecimento da próxima vindima.
Colette (Sidonie Gabrielle Colette (1873-1954): romancista francesa, particularmente conhecida por suas observações sensíveis sobre as mulheres e a natureza) dizia que apenas o vinho torna acessível o sabor da terra. Mais do que isso, o vinho nos une a nossas origens numa perpétua comunhão com os homens: ao Deus de Noé, aos gregos, aos romanos, a Dionísio, ou Baco. Antes deles, ao licor do Soma: Vena. Hoje, ao sangue de Cristo que, a cada dia na missa, antes de ser consagrado, é oferecido: “O vinho fruto da videira e do trabalho do homem”.
Assim são eternamente combinadas a obra da natureza e a obra do homem.
O mais humilde ser humano, ao experimentar ou oferecer um vinho, perpetua tradições milenares e realiza um ato ritual.
A história do vinho de Jean-François Gautier fala de toda essa riqueza cultural que retira de nossa memória subconsciente um dos ingredientes que compõem nossa personalidade profunda.
Se o vinho, ao longo de sua longa marcha de leste a oeste, seguindo por milênios o curso cotidiano do sol, conquista terras novas é porque aqueles que lhe conquistam esses novos territórios o levam no fundo de si mesmos.
O simpósio de Platão e de Xenofonte – ainda vivo hoje em dia, na Geórgia, com a tradição do “Tamada” (O Tamada é o equivalente ao mestre-de-cerimônias no banquete geórgico, encarregado de presidir a mesa e propor os brindes durante a refeição; é escolhido por habilidades de retórica, autoridade e senso de humor, entre outras.), o mestre da mesa –, o culto a Dionísio, ou Baco, o vin d’honneur, a festa Saint- Vincent Tournante na Borgonha, o beaujolais nouveau, as festas das colheitas ou o carnaval vinícola, o simples “copo” entre amigos, são todos momentos vividos por aqueles que amam cantar a vida. Mas o vinho também é a bebida maléfica que o Corão condena e, no entanto, promete àqueles que entrarem nos jardins celestes. É o fruto proibido, como a uva, mais do que a maçã é o fruto do conhecimento consumido por Adão e Eva sem permissão. O paraíso e o inferno.
O livro de Jean-François Gautier nos permite descobrir a complexidade da natureza do vinho: bebida misteriosa resultante da atividade de organismos microscópicos, mas vivos, de cuja existência nossos avós não suspeitavam, e que o grande Pasteur explicou sem desmitificá-la.
A erudição, a vontade de entender e de explicar, mas também o prazer de falar, e de falar bem, o humor e a cordialidade fazem deste livro sintético um buquê de poesia, uma safra maravilhosa na qual são encontrados tanto o espírito cartesiano do jurista quanto a mente aberta do humanista.
Que este livro desperte no leitor a vontade de constituir uma ampla biblioteca sobre o vinho e depois, é claro, também uma vasta enoteca.
[Robert Tinlot, Diretor-geral honorário da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV)]

publicado às 14:31



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