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Críticas à Filosofia Escolástica no Leviatã
 
Cícero faz uma honrosa menção de um dos Cássios, severo juiz dos romanos, por causa de um costume que tinha, nas causas criminais (quando o depoimento das testemunhas não era suficiente), de perguntar aos acusadores Cui bono, isto é, que lucro, honra ou outro proveito o acusado obtinha ou esperava pelo fato. Pois entre as conjeturas não há nenhuma que mostre com tanta evidência o autor do que o beneficio da ação. Pela mesma regra pretendo neste lugar examinar quem pode ser que tenha durante tanto tempo dominado o povo nesta parte da cristandade com estas doutrinas contrárias às pacíficas sociedades humanas. Em primeiro lugar, ao seguinte erro, que a atual Igreja agora militante sobre a terra é o reino de Deus (isto é, o reino de glória, ou terra da promissão, não o reino da graça que é apenas uma promessa da terra), estão ligados os benefícios terrenos que se seguem; primeiro, que os pastores e professores da Igreja estão habilitados, como ministros públicos de Deus, ao direito de governar a Igreja e consequentemente (porque a Igreja e o Estado são a mesma pessoa) a serem reitores e governantes do Estado. Por este título é que o Papa prevaleceu sobre os súditos de todos os príncipes cristãos, levando-os a acreditar que desobedecer-lhe era desobedecer ao próprio Cristo, e em todos os diferendos entre ele e outros príncipes (fascinados com a expressão poder espiritual) a abandonar seus legítimos soberanos, o que com efeito é uma monarquia universal sobre toda a cristandade. Pois muito embora tenham primeiro sido investidos no direito de serem os supremos mestres da doutrina cristãs pelos imperadores cristãos, dentro dos limites do império romano (como é reconhecido por eles próprios) com o titulo de Pontifex Maximus, que era um funcionário sujeito ao Estado civil, contudo, depois que o império foi dividido, não foi difícil introduzir junto do povo já a eles sujeito, um outro título, a saber, o direito de São Pedro, não apenas para conservar intacto seu pretenso poder, mas também para ampliá-lo sobre as mesmas províncias cristãs, embora estas não estivessem mais unidas no império de Roma. Este beneficio de uma monarquia universal (considerando o desejo dos homens de terem uma autoridade) constitui uma conjetura suficiente de que os Papas que a ela pretenderam e que durante muito tempo a desfrutaram, eram os autores da doutrina pela qual foi obtida, a saber, que a Igreja agora sobre a terra é o reino de Cristo. Pois aceite isto, tem de se aceitar que Cristo tenha um representante entre nós para dizernos quais são suas ordens. Depois que certas Igrejas renunciaram a este poder universal do Papa, seria razoável esperar que os soberanos civis em todas aquelas Igrejas recuperariam dele tanto quanto era seu próprio direito (antes de o terem deixado ir, embora inadvertidamente) e estava em suas próprias mãos. E na Inglaterra isso aconteceu efetivamente, exceto que aqueles através dos quais os reis administravam o governo da religião, sustentando que seu cargo era de direito divino, pareceram usurpar, se não uma supremacia pelo menos uma independência do poder civil, e pareciam usurpá-lo ao mesmo tempo que reconheciam no rei o direito de despojá-los a seu bel-prazer do exercício de suas funções.
Mas naqueles lugares em que o presbitério assumiu aquele cargo, embora muitas outras doutrinas da Igreja de Roma estivessem proibidas de serem ensinadas, contudo esta doutrina, de que o reino de Cristo já chegou e começou com a ressurreição de nosso Salvador continuou ainda a ser sustentada. Mas cui bono?
Que vantagem esperavam dela? A mesma que os Papas esperavam: ter poder soberano sobre o povo. Pois o que é para os homens excomungar seu legítimo soberano, senão afastá-lo de todos os lugares do serviço público de Deus em seu próprio reino? E com força para lhe resistir, quando ele pela força tenta corrigilos?
Ou o que é, sem autoridade do soberano civil, excomungar uma pessoa senão retirar-lhe sua legítima liberdade, isto é, usurpar um poder ilegítimo sobre seus irmãos? Portanto, os autores destas trevas na religião são o clero romano e o clero presbiteriano.
Neste ponto refiro também todas aquelas doutrinas que lhes servem para manter a posse desta soberania espiritual, depois que foi alcançada. Em primeiro lugar, aquela de que o Papa na capacidade pública não pode errar. Pois quem é que, acreditando ser isto verdade, não lhe obedecerá prontamente em tudo aquilo que lhe aprouver ordenar?
Em segundo lugar, que todos os outros bispos, seja em que Estado for, não recebem seu direito nem imediatamente de Deus, nem mediatamente de seus soberanos civis, mas do Papa, é uma doutrina pela qual acabam existindo em todos os Estados cristãos muitos homens poderosos (pois assim o são os bispos) que são dependentes do Papa e que lhe devem obediência, embora ele seja um príncipe estrangeiro, por meio do que é
capaz de (como muitas vezes o fez) instigar uma guerra civil contra o Estado que não se submeter a ser governado segundo seu prazer e interesse.
Em terceiro lugar, a isenção destes e de todos os outros padres, e de todos os monges e frades, em relação ao poder das leis civis. Pois deste modo muitos súditos de todos os Estados usufruem o beneficio das leis e são protegidos pelo poder do Estado civil, sem contudo pagar nenhuma parte da despesa pública, nem estar sujeitos às penas devidas a seus crimes como os outros súditos, e consequentemente não receiam ninguém exceto o Papa e aderem apenas a ele para defender sua monarquia universal. Em quarto lugar, dar a seus padres (que no Novo Testamento nada mais são do que presbíteros, isto é, anciãos) o nome de sacerdote, isto é, sacrificadores, que era o título do soberano civil e dos seus ministros públicos entre os judeus quando Deus era seu rei. Também o fato de fazer da ceia do Senhor um sacrifico serviu para levar o povo a acreditar que o Papa tinha o mesmo poder sobre todos os cristãos que Moisés e Aarão tinham sobre os judeus, isto é, todo o poder, quer civil, quer eclesiástico, como então tinha o Sumo Sacerdote.
Em quinto lugar, o fato de ensinar que o matrimônio é um sacramento deu ao clero o juízo sobre a legitimidade dos casamentos, e portanto, sobre quais os filhos que são legítimos, e consequentemente sobre o direito de sucessão a reinos hereditários.
Em sexto lugar, a negação do casamento aos padres serviu para assegurar este poder do Papa sobre os reis. Pois se um rei for padre não pode casar e transmitir seu reino a sua posteridade; se não for padre, o Papa passa a pretender ter esta autoridade eclesiástica sobre ele e sobre seu povo. Em sétimo lugar, pela confissão auricular obtém, para a manutenção de seu poder, um melhor conhecimento dos desígnios dos príncipes e dos grandes personagens do Estado civil do que estes podem obter acerca dos desígnios do Estado eclesiástico.
Em oitavo lugar, pela canonização dos santos e pela declaração de quais são mártires, asseguram seu poder na medida em que induzem os homens simples a uma obstinação contra as leis e as ordens de seus soberanos civis até à própria morte, se pela excomunhão dos Papas eles forem declarados hereges ou inimigos da Igreja, isto é (de acordo com sua interpretação), inimigos do Papa. Em nono lugar, asseguram o mesmo pelo poder que atribuem a todos os padres de fazerem Cristo e pelo poder de ordenar a penitência, e de remir ou reter os pecados.
Em décimo lugar, pela doutrina do purgatório, da justificação pelos atos externos e das indulgências, o clero se enriquece.
Em undécimo lugar, por sua demonologia e pelo uso do exorcismo, e outras coisas com isso relacionadas, conservam (ou julgam conservar) mais o povo sob o domínio de seu poder. Finalmente, a metafísica, a ética e a política de Aristóteles, as distinções frívolas, os termos bárbaros, e a linguagem obscura dos escolásticos ensinada nas Universidades (que foram todas erigidas e regulamentadas pela autoridade papal) servem-lhes para evitar que estes erros sejam detectados e para levar os homens a confundirem o ignis fatuus da vã filosofia com a luz do Evangelho. Se estes exemplos não fossem suficientes, poder-se-iam acrescentar outras de suas obscuras doutrinas, cujas vantagens se revelam de forma evidente para o estabelecimento de um poder ilegítimo sobre os legítimos soberanos do povo cristão; ou para a manutenção do mesmo, quando está estabelecido; ou para os bens terrenos, a honra e a autoridade daqueles que o detêm. E portanto pela supracitada regra do cui bono podemos com razão considerar como autores de todas estas trevas espirituais o Papa e o clero romano, e também todos aqueles que tentam colocar no espírito dos homens esta doutrina errônea de que a Igreja agora sobre a terra é aquele Reino de Deus mencionado no Antigo e no Novo Testamento. Mas os imperadores e outros soberanos cristãos, sob cujo governo estes erros e as semelhantes usurpações dos eclesiásticos em seu cargo pela primeira vez surgiram para perturbação de suas possessões e da tranqüilidade de seus súditos, muito embora tenham suportado os mesmos por falta de previsão de suas seqüèlas e por falta de visão profunda dos desígnios de seus mestres, podem contudo ser considerados cúmplices de seu prejuízo próprio e público, pois, sem sua autoridade, desde o início nenhuma doutrina sediciosa teria podido ser pregada publicamente. Digo que podiam ter sido atalhados desde o início, mas, uma vez o povo possuído por esses homens espirituais, não havia nenhum remédio humano que pudesse ser aplicado, nenhum que algum homem fosse capaz de inventar. E quanto aos remédios que Deus devia providenciar, o qual nunca deixou a seu tempo de destruir todas as maquinações dos homens contra a verdade, temos de esperar sua boa vontade, a qual muitas vezes suportou que a prosperidade de seus inimigos, juntamente com sua ambição, chegasse a um ponto tal que sua violência abrisse os olhos que a precaução de seus predecessores tinha antes fechado, e fizesse dá homens abarcar demais para nada segurar, assim como a rede de Pedro rebentou dèvido à luta de uma quantidade demasiado grande de peixes, visto que a impaciência daqueles que lutam para resistir a tal usurpação antes de os olhos de seus súditos estarem abertos, apenas contribuiu para aumentar o poder a que resistiam. Não censuro portanto o Imperador Frederico por deter a agitação em relação a nosso compatriota Papa Adriano, pois tal era a disposição de seus súditos nessa ocasião que, se não o tivesse feito, provavelmente não teria sucedido no império. Mas censuro aqueles que no princípio, quando seu poder estava inteiro, suportaram que essas doutrinas fossem forjadas nas Universidades de seus próprios domínios e contiveram a agitação contra todos os sucessivos Papas, enquanto estes subiam sobre os tronos de todos os soberanos cristãos para os dominar e cáiìsar, quer eles, quer seus povos, a seu beiprazer. Mas assim como as invenções dos homens são tecidas, assim também são desfeitas; o processo é o mesmo, mas a ordem é inversa: a teia começa nos primeiros elementos de poder, que são a sabedoria, a humildade, a sinceridade, e outras virtudes dos apóstolos, a quem todos os povos convertidos obedeceram por reverência e não por obrigação. Suas consciências eram livres, e suas palavras e ações só estavam sujeitas ao poder civil. Mais tarde os presbíteros (à medida que os rebanhos de Cristo aumentavam), reunindo-se para discutirem o que deviam ensinar e portanto obrigando-se a nada ensinar contra os decretos de suas assembléias, fizeram crer que o povo estava por conseguinte obrigado a seguir sua doutrina, e quando ele se recusou a fazê-lo recusaram mantê-lo em sua companhia (a isso se chamou então excomunhão), não por serem infiéis, mas por serem desobedientes. E este foi o primeiro nó em sua liberdade. E aumentando o número de presbíteros, os presbíteros da principal cidade ou província assumiram uma autoridade sobre os presbíteros paroquiais e apropriaram-se do nome de bispos. E este foi um segundo nó na liberdade cristã. Finalmente o bispo de Roma, no que se refere à cidade imperial, assumiu uma autoridade (em parte pela vontade dos próprios imperadores e pelo título de Pontifex Maximus, e finalmente, quando os imperadores estavam enfraquecidos, pelos privilégios de São Pedro) sobre todos os outros bispos do império, o que constituiu o terceiro e último nó, e toda a síntese e construção do poder pontifical. Portanto, a análise ou resolução é pelo mesmo processo, mas começando com o laço que foi o último a ser atado, como podemos ver na dissolução do preterpolítico governo da Igreja na Inglaterra. Primeiro o poder dos Papas foi totalmente dissolvido pela Rainha Isabel e os bispos, que antes exerciam suas funções pelo direito do Papa, passaram depois a exercer o mesmo pelo direito da rainha e seus sucessores, muito embora, retendo a expressão jure divino, se pudesse pensar que eles o recebiam de Deus por direito imediato. E assim foi desatado o primeiro nó. Depois disto os presbiterianos obtiveram ultimamente na Inglaterra a queda do episcopado: e assim foi desamarrado o segundo nó. E quase ao mesmo tempo o poder foi também tirado aos presbiterianos, e deste modo estamos reduzidos à independência dos primitivos cristãos para seguirmos Paulo, ou Cefas ou Apoio, segundo o que cada homem preferir. 0 que, se ocorrer sem luta e sem avaliar a doutrina de Cristo por nossa afeição à pessoa de seu ministro (a falta que o apóstolo censurou aos coríntios), é talvez o melhor. Primeiro, porque não deve haver nenhum poder sobre as consciências dos homens, a não ser da própria palavra, produzindo fé em cada um, nem sempre de acordo com o objetivo daqueles que plantam e regam, mas do próprio Deus que dá a geração; e segundo, porque é desarrazoado naqueles que ensinam que existe tamanho perigo no mais pequeno erro, exigir de um homem dotado de razão própria que siga a razão de qualquer outro homem, ou da maioria de vezes de muitos outros homens, o que é
pouco melhor do que arriscar sua salvação jogando cara ou coroa. Nem deviam esses mestres ficar aborrecidos com esta perda de sua antiga autoridade, pois ninguém melhor do que eles devia saber que o poder é conservado pelas mesmas virtudes com que é adquirido, isto é, pela sabedoria, pela humildade, pela clareza de doutrina e sinceridade de linguagem, e não pela supressão das ciências naturais e da moralidade da razão natural, nem por uma linguagem obscura, nem arrogando-se mais conhecimento do que aquele que realmente possuem, nem por fraudes beatas, nem por essas outras faltas que nos pastores da Igreja de Deus não são apenas faltas, mas também escândalos, capazes de fazer que os homens mais cedo ou mais tarde tropecem na supressão de sua autoridade.
Mas depois que esta doutrina, que a Igreja agora militante é o reino de Deus referido no Antigo e no Novo Testamento, foi aceite no mundo, a ambição e a solicitação de cargos que lhe estão adstritos, e especialmente o grande cargo de ser o representante de Cristo, e a pompa daqueles que obtiveram assim os principais cargos públicos, tornou-se gradualmente tão evidente que perderam a reverência interior devida à
função pastoral, de tal modo que os homens mais sábios, entre aqueles que possuíam qualquer poder no Estado civil, só precisavam da autoridade de seus príncipes para lhes negarem obediência. Pois desde a época em que o bispo de Roma conseguiu ser reconhecido como bispo universal, pela pretensão de suceder a São Pedro, toda sua hierarquia, ou reino das trevas, pode ser comparado adequadamente ao reino das fadas, isto é, às fábulas contadas por velhas na Inglaterra referentes aos fantasmas e espíritos e às proezas que praticavam de noite. E se alguém atentar no original deste grande domínio eclesiástico verá facilmente que o Papado nada mais é do que o fantasma do defunto império romano, sentado de coroa na cabeça sobre o túmulo deste, pois assim surgiu de repente o Papado das ruínas do poder pagão.
Também a linguagem que eles usam, quer nas igrejas, quer nos atos públicos, sendo o latim, que não é comumente usado por qualquer nação hoje existente, o que é senão o fantasma da antiga figura romana?
As fadas, seja qual for a nação onde habitem, só têm um rei universal, que alguns de nossos poetas denominam rei Oberon, mas as Escrituras denominam Belzebu, príncipe dos demônios. Do mesmo modo os eclesiásticos, seja qual for o domínio em que se encontrem, só reconhecem um rei universal, o Papa. Os eclesiásticos são homens espirituais e padres fantasmagóricos. As fadas são espíritos e fantasmas. As fadas e os fantasmas habitam as trevas, as solidões e os túmulos. Os eclesiásticos caminham na obscuridade da doutrina, em mosteiros, igrejas e claustros.
Os eclesiásticos têm suas igrejas catedrais, as quais, seja qual for a vila onde são erguidas, por virtude da água benta e de certos encantos denominados exorcismos, possuem o poder de transformar essas vilas em cidades, isto é, em sedes do império. Também as fadas têm seus castelos encantados e alguns fantasmas gigantescos que dominam as regiões circunvizinhas.
As fadas não podem ser presas nem levadas a responder pelo mal que fazem. Do mesmo modo os eclesiásticos desaparecem dos tribunais da justiça civil.
Os eclesiásticos tiram dos jovens o uso da razão por meio de certos encantos compostos de metafísica e milagres e tradições e Escrituras deturpadas, pelo que estes ficam incapazes seja para o que for exceto para executarem aquilo que lhes for ordenado. Do mesmo modo as fadas, segundo se diz, tiram as crianças de seus berços e transformam-nas em loucos naturais, a que o vulgo chama duendes e que têm tendência para praticar o mal.
As velhas não especificaram em que oficina ou laboratório as fadas fabricam seus encantamentos, mas os laboratórios do clero são bem conhecidos como sendo as Universidades que receberam sua disciplina da autoridade pontifícia.
Quando alguém desagrada às fadas, diz-se que estas enviam seus duendes para beliscá-lo. Os eclesiásticos, quando algum Estado civil lhes desagrada, também mandam seus duendes, isto é, súditos supersticiosos e encantados para beliscarem seus príncipes, pregando a sedição, ou um príncipe encantado com promessas para beliscar outro.
As fadas não se casam, mas entre elas há incubi, que copulam com gente de carne e osso. Os padres também não se casam.
Os eclesiásticos tiram a nata da terra por meio de donativos de homens ignorantes que têm medo deles e por meio de dízimos; o mesmo acontece na fábula das fadas, segundo a qual elas entram nas leitarias e banqueteiam-se com a nata que retiram do leite.
A história também não conta que tipo de dinheiro corre no reino das fadas. Mas os eclesiásticos naquilo que recebem aceitam a mesma moeda que nós, muito embora, quando têm de fazer algum pagamento, o façam com canonizações, indulgências e missas.
A estas e outras semelhanças entre o Papado e o reino das fadas se pode acrescentar mais uma, que assim como as fadas só têm existência na fantasia de gente ignorante, que se alimenta das tradições contadas pelas velhas ou pelos antigos poetas, também o poder espiritual do Papa (fora dos limites de seu próprio domínio civil) consiste apenas no medo, em que se encontra o povo seduzido, de ser excomungado, por ouvir os falsos milagres, as falsas tradições e as falsas interpretações das Escrituras. Não foi portanto muito difícil expulsá-los, a Henrique VIII por seu exorcismo, e à Rainha Isabel pelo dela. Mas quem sabe se este espírito de Roma, que agora desapareceu e que, vagueando por missões através dos lugares desertos da China, do Japão e das índias, ainda produziu escassos frutos, não pode voltar, ou melhor, uma assembléia de espíritos ainda mais maléfica do que ele, para habitar esta casa asseada e limpa, tornando portanto o fim ainda pior do que o princípio? Pois não é só o clero romano que pretende que o Reino de Deus é deste mundo e que portanto ele tem um poder distinto do poder do Estado civil. E isto era tudo o que eu tinha a intenção de dizer no que se refere à doutrina da política. 0 que quando tiver sido por mim revisto apresentarei de boa vontade à censura de meu país. 
 
(Thomas Hobbes - Leviatã)

publicado às 01:17

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 "Moralidade como antinatureza" (Nietzsche)
 
Não posso deixar de observar aqui um fato que pode merecer a atenção dos que fazem da natureza humana o objeto de sua investigação. É certo que, em toda religião, por mais sublime que seja a definição verbal que ela ofereça de sua divindade, muitos adeptos, talvez a maioria, procurarão, não obstante, obter o favor divino, não por suas virtudes nem por seus bons costumes, únicas coisas que podem ser agradáveis a um ser perfeito, senão por práticas frívolas, por um zelo imoderado, por êxtases violentos ou pela crença em opiniões misteriosas e absurdas. Só uma pequena parte do Saddas,63 bem como do Pentateuco,64 consiste em preceitos morais, e podemos estar certos de que essa parte foi sempre a menos observada e respeitada.
Quando os antigos ROMANOS foram atacados pela peste, eles nunca atribuíram seus sofrimentos aos seus vícios, nem pensaram em se arrepender ou em se emendar. Eles nunca pensaram que eram os grandes ladrões do mundo, cuja ambição e avareza tornaram a Terra desolada e reduziram nações opulentas à necessidade e à miséria. Eles simplesmente nomearam um ditador a fim de cravar um prego numa porta, e pensaram que por esse meio tinham apaziguado suficientemente sua divindade enfurecida.
Em EGINA, urna facção formou uma conspiração e assassinou selvagem e perfidamente setecentos de seus concidadãos, levando sua fúria ao extremo de cortar as mãos de um miserável fugitivo que tinha se refugiado num templo, com as quais ele agarrava as portas, e, carregado para fora do chão sagrado, imediatamente foi assassinado. 'Por essa impiedade', diz HERÓDOTO (e não por muitos outros assassinatos cruéis), 'eles ofenderam os deuses e contraíram uma culpa inexpiável'.
Além disso, suponhamos, o que nunca acontece, que se encontre uma religião popular que declare expressamente que só a moralidade pode obter o favor divino; suponhamos também que uma ordem de eclesiásticos seja instituída para inculcar essa opinião nos homens por meio dos sermões diários, com toda a arte da persuasão; apesar disso, os preconceitos das pessoas estão tão profundamente arraigados que, por necessidade de alguma outra superstição, eles tornariam o comparecimento das pessoas a esses sermões a parte essencial da religião, em vez de colocá-las no caminho da virtude e dos bens morais. O sublime prólogo das leis de ZALEUCUS não inspirou os LOCRENSES,65 tanto quanto podemos saber, noções mais sólidas dos meios de agradar à divindade do que as noções que eram familiares a outros GREGOS.
Essa observação, então, vale universalmente. Mas podemos ter ainda alguma dificuldade em explicá-la. Não é suficiente observar que em todos os lugares as pessoas rebaixam suas divindades até torná-las semelhantes a si mesmas, e que as consideram simplesmente uma espécie de criaturas humanas de algum modo mais poderosas e inteligentes. Isso não eliminará a dificuldade, pois não existe homem nenhum tão estúpido que não estime, a julgar por sua razão natural, que a virtude e a honestidade são as qualidades mais valiosas que uma pessoa pode possuir. Por que não atribuir o mesmo sentimento à divindade? Por que não fazer com que toda religião, ou sua parte principal, consista nessa realização?
Não é satisfatório dizer que a prática da moralidade é mais difícil que a da superstição - e é, portanto, rejeitada. Pois - para não mencionar as penitências excessivas de Brachmans e de Talapoins - é certo que o ramadã66 dos TURCOS, durante o qual os pobres infelizes, dia após dia, frequentemente nos meses mais quentes do ano e num dos climas mais quentes do mundo, permanecem sem comer nem beber, do nascimento ao pôr do sol - é certo, dizia eu, que o ramadã deve ser muito mais severo que a prática de qualquer dever moral, mesmo para os homens mais corrompidos e depravados. As quatro quaresmas dos MOSCOVITAS e as austeridades de alguns católicos romanos parecem mais desagradáveis que a brandura e a benevolência. Em suma, toda virtude, quando nos reconciliamos com ela sem muito esforço, é agradável. Toda superstição é quase sempre odiosa e opressiva.
Talvez possamos aceitar a seguinte explicação como a verdadeira solução dessa dificuldade. Os deveres que um homem cumpre como amigo ou como pai parecem referir-se simplesmente a seu benfeitor ou a seus filhos, e ele não pode faltar a esses deveres sem romper todos os vínculos da natureza e da moralidade. Uma forte inclinação pode impulsioná-lo a cumpri-los. Um sentimento de ordem e de obrigação moral une sua força à força desses vínculos naturais, e o homem por inteiro, se é verdadeiramente virtuoso, é conduzido ao seu dever sem qualquer esforço ou violência. Ainda no caso das virtudes que são mais austeras e mais dependentes da reflexão, como o espírito público, o dever filial, a temperança ou a integridade, a obrigação moral, tal como a compreendemos, descarta toda a pretensão a um mérito religioso; e a conduta virtuosa não é mais que aquilo que devemos à sociedade ou a nós mesmos. Em tudo isso um homem supersticioso nada descobre que tenha realizado especialmente por causa de sua divindade ou que possa recomendá-lo de um modo particular ao favor e à proteção divina. Não lhe ocorre que o melhor método de servir à divindade é promover a felicidade de suas criaturas. Ele ainda espera por uma assistência mais imediata do ser supremo, a fim de diminuir os terrores que o oprimem. E qualquer prática que se lhe recomende, ainda que não tenha utilidade nenhuma na vida ou ofereça a mais forte resistência às suas inclinações naturais, ele a abraçará logo, graças àquelas mesmas circunstâncias que deveriam fazer com que ele a rejeitasse completamente. Parece-lhe que isso é o mais puramente religioso, na medida em que não deriva da mistura de qualquer outro motivo ou consideração. E se, por sua causa, sacrifica boa parte de seu bem-estar e de sua tranquilidade, crê que seus méritos aumentam conforme se manifesta seu fervor e sua devoção. Se ele devolve algo emprestado ou paga uma dívida, sua divindade não lhe deve obrigação nenhuma, pois tais atos de justiça são os que estava obrigado a cumprir e o que muitos teriam cumprido mesmo que não houvesse deus nenhum no universo. Mas se ele jejua um dia ou se dá a si mesmo uns bons açoites, isso tem, na sua opinião, uma relação direta com a assistência de Deus. Nenhum outro motivo pode levá-lo a tais austeridades. Por meio desses extraordinários sinais de devoção obtém, pois, o favor divino, e pode esperar, como recompensa, proteção e segurança neste mundo - e felicidade eterna no outro.
É por isso que o maior dos crimes tem sido considerado, em muitos casos, compatível com uma piedade e devoção supersticiosas. É por isso, justamente, que se considera arriscado fazer qualquer inferência a favor da moralidade de um homem, a partir do fervor ou do rigor de sua prática religiosa, ainda que ele mesmo acredite na sinceridade desta. Mais ainda: observou-se que as atrocidades mais negras têm sido mais apropriadas para produzir terrores supersticiosos e para aumentar a paixão religiosa. BOMILCAR, tendo formado uma conspiração para assassinar de uma só vez todo o senado de CARTAGO e violar as liberdades de seu país, perdeu a oportunidade por causa de uma preocupação contínua com os presságios e com as profecias. 'Os que empreendem as ações mais criminosas e mais perigosas são em geral os mais supersticiosos', como oportunamente observa um historiador da antiguidade.* Sua devoção e sua fé espiritual aumentam com seus temores. Catilina67 não se satisfez com as divindades estabelecidas e com os ritos aceitos pela religião nacional. Seus terrores inquietos o fizeram procurar novas invenções dessa espécie,* e ele provavelmente nunca teria sonhado com elas se tivesse permanecido um bom cidadão, obediente às leis de seu país.
A isso podemos acrescentar que, depois da execução do crime, surgem remorsos e terrores secretos que não deixam nenhum repouso ao espírito, mas o fazem recorrer a ritos e a cerimônias religiosas como expiação de suas faltas. Tudo o que enfraquece ou perturba as disposições interiores do homem favorece os interesses da superstição; e nada os destrói mais do que uma virtude viril e constante, que nos preserva dos acidentes desastrosos e melancólicos ou que nos ensina a suportá-los. Quando resplandece essa serenidade de espírito, a divindade jamais aparece sob falsas aparências. Porém, quando nos abandonamos às sugestões naturais e indisciplinadas de nossos corações tímidos e ansiosos, atribuímos ao ser supremo, em virtude dos terrores que nos agitam, toda espécie de barbárie; e, em razão dos métodos que adotamos a fim de apaziguá-lo, todas as formas de arbitrariedade. Barbárie e arbitrariedade: essas são as qualidades, ainda que dissimuladas com outros nomes, que formam, como podemos observar do ser supremo, a fim de diminuir os terrores que o oprimem. E qualquer prática que se lhe recomende, ainda que não tenha utilidade nenhuma na vida ou ofereça a mais forte resistência às suas inclinações naturais, ele a abraçará logo, graças àquelas mesmas circunstâncias que deveriam fazer com que ele a rejeitasse completamente. Parece-lhe que isso é o mais puramente religioso, na medida em que não deriva da mistura de qualquer outro motivo ou consideração. E se, por sua causa, sacrifica boa parte de seu bem-estar e de sua tranquilidade, crê que seus méritos aumentam conforme se manifesta seu fervor e sua devoção. Se ele devolve algo emprestado ou paga uma dívida, sua divindade não lhe deve obrigação nenhuma, pois tais atos de justiça são os que estava obrigado a cumprir e o que muitos teriam cumprido mesmo que não houvesse deus nenhum no universo. Mas se ele jejua um dia ou se dá a si mesmo uns bons açoites, isso tem, na sua opinião, uma relação direta com a assistência de Deus. Nenhum outro motivo pode levá-lo a tais austeridades. Por meio desses extraordinários sinais de devoção obtém, pois, o favor divino, e pode esperar, como recompensa, proteção e segurança neste mundo - e felicidade eterna no outro.
E por isso que o maior dos crimes tem sido considerado, em muitos casos, compatível com uma piedade e devoção supersticiosas. E por isso, justamente, que se considera arriscado fazer qualquer inferência a favor da moralidade de um homem, a partir do fervor ou do rigor de sua prática religiosa, ainda que ele mesmo acredite na sinceridade desta. Mais ainda: observou-se que as atrocidades mais negras têm sido mais apropriadas para produzir terrores supersticiosos e para aumentar a paixão religiosa. BOMILCAR, tendo formado uma conspiração para assassinar de tuna só vez todo o senado de CARTAGO e violar as liberdades de seu país, perdeu a oportunidade por causa de uma preocupação contínua com os presságios e com as profecias. 'Os que empreendem as ações mais criminosas e mais perigosas são em geral os mais supersticiosos', como oportunamente observa um historiador da antiguidade.* Sua devoção e sua fé espiritual aumentam com seus temores. Catilina67 não se satisfez com as divindades estabelecidas e com os ritos aceitos pela religião nacional. Seus terrores inquietos o fizeram procurar novas invenções dessa espécie,* e ele provavelmente nunca teria sonhado com elas se tivesse permanecido um bom cidadão, obediente às leis de seu país.
A isso podemos acrescentar que, depois da execução do crime, surgem remorsos e terrores secretos que não deixam nenhum repouso ao espírito, mas o fazem recorrer a ritos e a cerimônias religiosas como expiação de suas faltas. Tudo o que enfraquece ou perturba as disposições interiores do homem favorece os interesses da superstição; e nada os destrói mais do que uma virtude viril e constante, que nos preserva dos acidentes desastrosos e melancólicos ou que nos ensina a suportá-los. Quando resplandece essa serenidade de espírito, a divindade jamais aparece sob falsas aparências. Porém, quando nos abandonamos às sugestões naturais e indisciplinadas de nossos corações tímidos e ansiosos, atribuímos ao ser supremo, em virtude dos terrores que nos agitam, toda espécie de barbárie; e, em razão dos métodos que adotamos a fim de apaziguá-lo, todas as formas de arbitrariedade. Barbárie e arbitrariedade: essas são as qualidades, ainda que dissimuladas com outros nomes, que formam, corno podemos observar universalmente, o caráter dominante da divindade nas religiões populares. E até os sacerdotes, em vez de corrigir essas ideias perversas dos homens, têm-se mostrado dispostos a alimentá-las e a encorajá-las. Quanto mais monstruosa é a imagem da divindade, mais os homens se tornam seus servidores dóceis e submissos, e quanto mais extravagantes são as provas que ela exige para nos conceder sua graça, mais necessário se faz que abandonemos nossa razão natural e nos entreguemos à condução e direção espiritual dos sacerdotes. Pode-se admitir, assim, que os artifícios dos homens agravam nossas enfermidades naturais e as loucuras desse tipo, mas que na origem nunca as engendram. Elas se enraízam mais profundamente no espírito e nascem das propriedades essenciais e universais da natureza humana.
 
(David Hume - História Natural da Religião)
NOTAS:
 
61 'Mais populares' em outras edições.
 
62Toda essa seção é da maior importância para entendermos os argumentos e as opiniões de Hume sobre a relação entre a moralidade e a religião. Ver também Diálogos sobre a religião natural, parte XII; Investigação sobre o entendimento humano, seção XI; e a explicação da moralidade oferecida na Investigação sobre os princípios da moral, seções 1-5 e 9.
 
63 Livro judaico de preces e orações.
 
64 O Pentateuco é a coleção dos cinco primeiros livros do Velho Testamento atribuídos a Moisés: o Gênesis, o Êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio.
 
65 Habitantes de Locros, antiga cidade grega localizada na extremidade meridional da atual Itália.
 
66 O ramadã corresponde ao nono mês do ano muçulmano, considerado sagrado e durante o qual a lei de Maomé prescreve o jejum num período diário entre o alvorecer e o pôr do sol.
 
67 Lúcio Sérgio Catilina (morto em 62 a.C.), governador da província romana da África entre 67-66 a.C. Foi perseguido por corrupção, mas absolvido. Derrotado por Cícero nas eleições para cônsul em 63 e 62, conspirou num golpe revelado por Cícero em seus discursos no Senado. Foi morto pelo exército de Gaio Antonio.

publicado às 18:03


Medo da morte

por Thynus, em 21.11.17
E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...
 
 
 
 


 
Ruído branco
DON DELILLO
 
Cem anos de solidão
GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
 
 
Você já se perguntou como as pessoas conseguem funcionar sabendo que podem deixar de existir a qualquer momento? Já acordou no meio da noite suando frio, pregado à cama, por causa do terrível conhecimento de que há uma ameaçadora eternidade de não existência à sua espera?
Você não está só. A consciência da morte é o que nos separa dos animais. E o modo como escolhemos lidar com isso — quer optemos por acreditar em Deus e em vida após a morte, conciliar-nos com a ideia da não existência ou simplesmente reprimir todos os pensamentos a esse respeito — é algo que nos separa uns dos outros.
Jack Gladney, professor de estudos sobre Hitler em uma faculdade do Meio-Oeste dos Estados Unidos, sofre de um medo agudo da morte. Jack é obcecado por quando vai morrer, se é ele ou sua esposa, Babette, quem se vai primeiro (ele torce secretamente para que seja ela) e sobre o tamanho de “buracos, abismos e fendas”. Um dia, ele descobre que Babette tem tanto medo da morte quanto ele. Até aquele momento, sua esposa grande e loira havia estado entre ele e seu medo, representando “a luz do dia e a vida densa”. A descoberta abala sua alma — e as bases de um casamento até então feliz.
Jack explora todos os tipos de argumentação e de filosofias para superar o medo da morte, desde colocar-se dentro do domínio protetor de uma multidão até a reencarnação. (“Como você pretende passar sua ressurreição?”, pergunta um amistoso testemunha de Jeová, como se estivesse perguntando sobre um fim de semana prolongado.) Seu método mais bem-sucedido para aliviar o medo (e se distrair) é sentar-se e observar os filhos dormirem, uma atividade que o faz se sentir “devoto, parte de um sistema espiritual”. Para aqueles com a sorte de ter filhos dormindo à mão, esse é um bálsamo que recomendamos sinceramente, não só para o medo da morte, mas para medos de todos os tipos.
Talvez uma das argumentações de Jack funcione para você. Se não funcionar, pelo menos Ruído branco lhe proporcionará uma associação entre pensamentos de morte e risadas. DeLillo é um escritor divertido, e sua descrição de Jack tentando pronunciar palavras alemãs recebe nosso voto como uma das passagens mais engraçadas da literatura. Procure-a à noite, quando o terror da morte atacar, e testemunhe a metamorfose do medo em risos.
A outra cura para manter junto à cama é Cem anos de solidão. Esse romance sobre a família Buendía, de Macondo, pode ser lido e relido, já que os eventos ocorrem em uma espécie de ciclo eterno, e é tão densamente escrito que você encontrará novos encantos e revelações a cada leitura. Uma vez que a narrativa se estende por um século, a morte aparece com frequência e de forma natural, e os personagens aceitam sua parte na ordem natural das coisas — uma atitude que, com o tempo, pode passar para você.
Se isso não acontecer, continue lendo. De novo e de novo. E uma noite, talvez, quando chegar cansado à última página e voltar ao início, você comece a entender que o fato de todas as coisas boas terem fim, em algum momento, é necessário.

 ( Ella Berthoud e Susan Elderkin - Farmácia literária)
 
 
 

publicado às 20:16


Morte

por Thynus, em 21.11.17


Pérola
O POETA DE GAWAIN


Metamorfoses
OVÍDIO
 

 
A morte não pode ser adiada para sempre, e, quando chega a hora, precisamos estar prontos. No Ocidente, temos tendência a evitar pensamentos de morte e a ignorar mais ou menos esse fato em nossa vida cotidiana. Foram-se os dias do memento mori, um lembrete diário de que um dia vamos morrer. No entanto, é essencial tanto viver na presença da morte — e, assim, ter a certeza de estar sempre plenamente vivo — como estar preparado com as companhias literárias adequadas. De modo que, quando o momento vier, não cheguemos a um leito de morte — o nosso próprio, ou o de outra pessoa — sem o devido arsenal. Quer seja você quem está morrendo, quer você se encontre na cabeceira de uma pessoa amada enquanto ela deixa este mundo, alguma literatura que console e acalme, e ao mesmo tempo incentive suavemente a aceitação, é uma dádiva inestimável. Você ficará satisfeito por ter se preparado com essas duas obras de atemporal serenidade e grande beleza, seja para ler para si mesmo, se você puder, ou para ler em voz alta, ou para ouvir na voz de alguém.
Nesses momentos mais sérios da vida, precisamos de uma linguagem que possa nos elevar acima do comum. Pérola é um dos mais belos poemas de língua inglesa, escrito, ou pelo menos assim se supõe, pelo mesmo autor de Sir Gawain e o Cavaleiro Verde, a encantadora e evocativa “aventura” de Natal do século XIV. Pérola descreve a perda de uma “pérola de grande valor”, que muitos críticos acreditam que represente a filha de dois anos do poeta; outros defendem que a pérola seja inteiramente alegórica, representando a perda da alma e permitindo deliberadamente muitas interpretações quanto a seu significado. Tão pouco se sabe sobre a vida do poeta que ninguém pode ter certeza dos detalhes biográficos de seu suposto luto; este é inferido do poema, mas o texto, por sua vez, é tão cheio de camada sobre camada de alegorias que uma interpretação segura é impossível. Mas a própria ambiguidade é também o que torna o poema tão rico e irresistível. A agonia da perda expressa, a pureza do amor sentido, a beleza da pérola descrita estão todas intricadamente inseridas em um poema de estrutura notavelmente complexa. O poema é composto de cento e uma estrofes de doze versos cada, habilmente conectados por termos de ligação, enquanto vínculos temáticos criam uma relação entre os dois extremos do texto, produzindo uma estrutura que é, ela mesma, circular — como o ciclo de vida e morte.
Mencionamos tudo isso porque o poema é tão belo, tão primoroso e agradável quanto uma pérola segura na palma da mão. Se você o interpretar literalmente, a “pérola de grande preço” representa a coisa ou pessoa que você mais ama no mundo (e que o agonizante deve, se possível, ter consigo no momento crucial). E, se você que está lendo isso for uma pessoa religiosa, vai se sentir pronto para passar para as mãos de Deus, porque a mensagem cristã é clara, e a pérola aparece como uma camareira dizendo ao poeta que ele deve se colocar sob a misericórdia de Deus para cruzar o rio e entrar no reino.
Tanto os que creem como os que não creem podem derivar conforto do conceito de transformação nessas horas. Porque, mesmo se acreditarmos que a morte é o fim, há um sentido segundo o qual meramente mudamos de forma. Para ajudá-lo a se sentir parte da roda da vida eterna, leia Ovídio, pois sua grande obra, Metamorfoses, é sobre como uma coisa se torna outra, ad infinitum.
Há tudo da vida nessas páginas, dos mitos da criação à vida dos filósofos, de Caos a Eros, da vinda dos deuses às provações de Hércules e Prometeu. Mas o tema central de Ovídio é o amor, o poder que transforma todas as coisas. Por causa de seu desejo, Zeus se transforma em um cisne, um touro, uma chuva de ouro. Por suas investidas contra a honra de suas vítimas, elas se tornam árvores, ninfas da água, aves ou feras. Diana transforma Acteon em um cervo, porque ele fatalmente a viu nua. Narciso se metamorfoseia em uma flor devido a seu amor por si mesmo. E Eco vive para sempre como um som repetitivo, tendo definhado de amor (se não for tarde demais, veja “mal de amor”). Aracne é transformada em aranha porque gostava demais de tecer. Tudo é mutável, nada permanece estático, e todos os seres passam de um estado a outro — não morrendo, mas tornando-se.
E, assim, os versos de Ovídio nos deixam hipnotizados, pois ele escreve sobre mito e lenda, amor e perda, mostrando como permanecemos em flores silvestres, oliveiras e riachos, com nossa vida fluindo de uma forma a outra em infindáveis metamorfoses.
 
( Ella Berthoud e Susan Elderkin - Farmácia literária)
 

publicado às 01:57


Milagres, existem?

por Thynus, em 15.11.17
 .
Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.
 
É possível amar e não ser feliz, é possível ser feliz e não amar, mas amar e simultaneamente ser feliz, isso seria milagre.
Honoré de Balzac  
 

Milagres, existem? 
Claro que sim. Você os vê todos os dias e a toda hora, basta observar a natureza e perceber que em tudo o milagre da vida está presente. 
Vejamos o desabrochar de uma flor. Embora vocês possam querer dar a isso uma explicação científica, ou qualquer outra explicação, eu diria que é o milagre acontecendo na natureza, graças ao próprio milagre da criação do mundo, dos seres vivos, do universo. 
Milagres estão sempre acontecendo. 
(...) Observem a natureza: tudo que é vivo e tem energia renasce. E tudo é energia que flui. Energia não se perde, se transforma. Se nós somos energia, por que não acreditar que somos eternos, só nos transformamos, nos renovamos, evoluímos? 

( Ilana Skitnevsky - Viver, morrer e o depois...)

publicado às 17:24


FCPorto X Belenenses

por Thynus, em 04.11.17
 

publicado às 22:46


FCPorto X Leipzig

por Thynus, em 03.11.17

publicado às 16:23


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