Em 1936, Sartre apareceu em cena com dois livros: A imaginação, uma pesquisa sobre teorias filosóficas da imaginação préhusserlianas e A transcendência do ego, que apresenta argumentos contrários à visão de Husserl do ego transcendental, definindo-o como um construto criado por outros. Sartre, em seguida, rejeitou a visão de Freud do inconsciente em Esboço para uma teoria das emoções (1939). Mas foi seu romance A náusea (1939) que trouxe para Sartre o início da sua fama e, para o mundo, uma primeira prova do seu existencialismo. O principal personagem do romance, Roquentin, sente-se literalmente nauseado pelo fato de sua existência no mundo; pela sua percepção da “coisidade” dos objetos e da falta de significado a ser encontrado no mundo exterior a si mesmo. O conceito de Sartre de facticidade se refere à situação em que o sujeito encontra a si mesmo: seu gênero, filiação, nacionalidade, habilidades etc. É no contexto dessa situação que o sujeito confronta sua liberdade, que é limitada pela facticidade. Para Sartre, o homem está condenado a ser livre. Essa situação deu origem ao conceito do “absurdo”.
Albert Camus e o absurdo
Uma das expressões mais coerentes do absurdo pode ser encontrada nos romances e ensaios do amigo e rival de Sartre, Albert Camus (1913-60). Camus era um pied noir (colono de língua francesa) da Argélia que foi criado na pobreza e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Seu romance O estrangeiro (1942) conta a história de um assassinato cometido, ao que tudo indica, sem motivo pelo protagonista, Meursault, que é aparentemente indiferente em relação às suas ações e seu destino. No universo ateísta de Camus, todo comportamento humano é permitido. Mas as consequências dessa liberdade sem limites também precisam ser aceitas; Meursault precisa aceitar sua punição por um assassinato sem sentido: ele é condenado à morte. Em seu ensaio O Mito de Sísifo (1942), Camus utiliza uma história da mitologia grega sobre um rei condenado a rolar uma grande pedra até o topo de uma montanha somente para vê-la rolar para baixo novamente, assim que a tarefa é cumprida – ação que ele é condenado a repetir eternamente – para examinar o dilema do homem moderno em um mundo sem Deus. A tarefa é inútil; mas, ao assumi-la, o homem define a si mesmo.
Fortunas de guerra contrastantes
Camus era comunista. Excluído do serviço no exército francês porque sofria de tuberculose, ele editou o jornal de resistência Combat durante a ocupação nazista na França, muitas vezes correndo grande risco pessoal. A guerra de Sartre foi diferente. Ele serviu no corpo meteorológico do exército francês e foi capturado durante a queda da França, em maio de 1940, sendo enviado para um campo alemão de prisioneiros de guerra chamado Stalag XIID, próximo a Trier, onde ficou por quase um ano. Durante esse tempo, continuou a estudar o livro Ser e tempo (1927), de Heidegger, que ele havia começado a ler em Berlim em 1933. Sartre passava o tempo ensinando a fenomenologia de Husserl aos padres que eram prisioneiros junto com ele e, no Natal de 1940, escreveu e produziu uma peça de teatro para os companheiros de cela. Bariona ou O filho do trovão era, segundo ele assegurou em uma carta à sua amante Simone de Beauvoir (1908-86), uma peça de Natal que não se apoiava na crença cristã para ser apreciada. Enquanto era prisioneiro, Sartre iniciou também sua mais importante obra filosófica: O ser e o nada. Com o auxílio de um padre, ele obteve documentos médicos falsos e foi libertado da prisão alemã em 1941. Sartre voltou a Paris para viver com Beauvoir e seu círculo de amigos e amantes, e passou a dar aulas nos liceus Pasteur e Condorcet enquanto terminava O ser e o nada.
Durante a ocupação, Sartre ainda escreveu e produziu duas peças bem-sucedidas que foram autorizadas pelos censores nazistas. As moscas (1943) trata-se de uma leitura existencialista da histórica de Electra, da mitologia grega, enquanto Entre quatro paredes (1944) apresentava quatro personagens em um quarto sem portas ou janelas e era concluída pela famosa fala “O inferno são os outros”.
A natureza do existencialismo sartreano
O existencialismo é uma refutação do essencialismo, a doutrina que sustenta que coisas ou pessoas possuem essências intrínsecas. O famoso ditado de Sartre é que “a existência precede a essência”. Para ele, a existência tem dois modos: ser e nada. O ser tem duas categorias: “em-si” e “parasi”. O em-si é o ser como um objeto desprovido de consciência. O para-si é o ser consciente, mas não é um objeto: é uma não-coisa. O em-si e o para-si são distintos e não podem se combinar. Combiná-los constituiria uma “totalidade não realizável”. Este ideal, afirma Sartre, constituiria Deus.
Outras pessoas são problemáticas, na visão de Sartre, porque elas dão origem a uma confrontação na qual uma subjetividade reduz outras subjetividades ao que Beauvoir chamou de “o Outro”. Tomando emprestado de Hegel, Sartre vê as relações com os outros em termos de uma dialética mestre/escravo. Em resumo, nós alienamos uns aos outros. O componente ético da ontologia de Sartre consiste no que ele chama de “má fé”. Má fé significa, em essência, mentir para si mesmo. Ele dá três exemplos famosos: o garçom que exagera os gestos do serviço, enquanto diz a si mesmo que está somente “encenando” o papel de um garçom; a mulher que estende a mão para um homem, negando a provocação sexual que está implícita no gesto e o de um pederasta que nega ser “em essência” ou “por natureza” um pederasta, dizendo a si mesmo que é simplesmente alguém que faz sexo com garotos.
Sartre e Merleau-Ponty
Em 1945, Sartre e Beauvoir convidaram seu amigo Maurice Merleau-Ponty (1908-61) para lançar a revista filosófica e literária Les temps modernes. A obra de Merleau-Ponty também era influenciada por Husserl e Heidegger, mas, enquanto Sartre se concentrava em problemas de ontologia, Merleau-Ponty estava preocupado com a percepção: como o sujeito apreende o mundo? Seu livro Fenomenologia da percepção (1945) é uma das obras centrais no que poderia ser frouxamente denominado “existencialismo francês”. Merleau-Ponty trata do papel da personificação humana e do seu papel em compreender como os homens percebem. Para Merleau-Ponty, é o sujeito personificado que encontra o mundo, engajando-se nele ativamente e nele criando significado. Como Gabriel Marcel, Merleau-Ponty rejeita o dualismo cartesiano. Ele vai além da redução fenomenológica de Husserl para estabelecer a categoria-chave da sua filosofia: estar-no-mundo. Estar-nomundo precede a “objetividade” e a “subjetividade”, e é o que dá significado a ambas. Um entendimento do tempo como algo constituído subjetivamente completa a fenomenologia da percepção de Merleau- Ponty.
Em 1945, Sartre e Merleau-Ponty concordavam amplamente no que dizia respeito às suas visões políticas de esquerda. Em Humanismo e terror (1947), Merleau- Ponty examinou o experimento marxista da Revolução de Outubro até o fim da Segunda Guerra Mundial e fez a seguinte pergunta: o terror de Stálin era justificado?
Ele respondeu com um “não”. Mas ele também defendeu que era preciso dar tempo à União Soviética, que o marxismo precisava trabalhar, porque seu fracasso seria o fracasso da raça humana. No que diz respeito ao seu pensamento sobre a União Soviética, Merleau-Ponty já foi comparado a Kant e sua avaliação da Revolução Francesa. Embora Kant não pudesse perdoar o regicídio, a ideia de um governo baseado nos princípios da razão lhe parecia atraente. No entanto, Merleau-Ponty discordou de Sartre a respeito da Guerra da Coreia (1950-53), que ele considerou um exercício do poder imperialista soviético. Os dois amigos romperam por conta dessa questão, e, em 1948, Merleau-Ponty renunciou ao cargo de editor da Les Temps Modernes.
Crítica da razão dialética
Sartre começou a revisar sua filosofia existencialista para dar conta do marxismo em Questão de método (1957), que mais tarde foi incorporado em uma longa e não terminada obra, Crítica da razão dialética (vol. 1, 1960; vol. 2, 1985). Sartre pertence à lista daqueles filósofos cujos textos são excepcionalmente desafiadores para o leitor. O Ser e o nada é um livro mais comprado do que lido e mais lido do que entendido, pode-se suspeitar. Isso, em parte, acontece por conta da dificuldade inerente do pensamento de Sartre (ele gostava de provocar Camus, a quem não considerava inteligente o suficiente para entender suas ideias) e em parte porque sua terminologia tem origem na ainda mais complexa linguagem técnica alemã empregada por Husserl e Heidegger. A Crítica de Sartre é ainda mais difícil de ser lida do que O Ser e o nada, e não seria impiedoso atribuir isso em parte ao seu vício de toda uma vida em anfetaminas e álcool. Ele escrevia durante longos períodos, milhares de palavras por dia, com mais ênfase na quantidade do que na qualidade. Ainda assim, o esforço de Sartre para reconciliar a liberdade do existencialismo com o determinismo do marxismo constitui um feito notável de análise filosófica. Enquanto trabalhava na Crítica (do período pós-guerra até o fim da vida), Sartre trabalhou também em outro projeto enorme e inacabado: a biografia em cinco volumes do romancista Gustave Flaubert (1821-1880), intitulada O idiota da família (1971-2).
O existencialismo dá lugar ao estruturalismo
Sartre continua sendo uma figura imponente na filosofia do pós-guerra, mas a influência do existencialismo começou a diminuir com a ascensão do estruturalismo, praticado por Claude Lévi-Strauss e depois por Roland Barthes. O movimento pós-estruturalista terminou o trabalho que o estruturalismo havia iniciado, com seu foco nos textos, e não nos autores (o “Eu descentrado”). O fato de que um trabalho de volume tão poderoso como o de Sartre foi suplantado tão rapidamente é uma medida da enorme velocidade do desenvolvimento e das mudanças incessantes no cenário da filosofia continental. Nos Estados Unidos, o interesse por Sartre diminuiu com o declínio da filosofia marxista, na esteira de uma guinada geral para a direita por parte da opinião pública após o colapso da União Soviética em 1991. Filósofos, como roupas e carros, não estão imunes aos caprichos das mudanças de gosto e de moda. Não há dúvida, no entanto, de que a obra de Sartre será lida e reavaliada por futuras gerações de estudiosos interessados nos usos que ele deu ao método fenomenológico de Husserl e às análises existenciais de Heidegger.
O existencialismo dá lugar ao estruturalismo
Sartre continua sendo uma figura imponente na filosofia do pós-guerra, mas a influência do existencialismo começou a diminuir com a ascensão do estruturalismo, praticado por Claude Lévi-Strauss e depois por Roland Barthes. O movimento pós-estruturalista terminou o trabalho que o estruturalismo havia iniciado, com seu foco nos textos, e não nos autores (o “Eu descentrado”). O fato de que um trabalho de volume tão poderoso como o de Sartre foi suplantado tão rapidamente é uma medida da enorme velocidade do desenvolvimento e das mudanças incessantes no cenário da filosofia continental. Nos Estados Unidos, o interesse por Sartre diminuiu com o declínio da filosofia marxista, na esteira de uma guinada geral para a direita por parte da opinião pública após o colapso da União Soviética em 1991. Filósofos, como roupas e carros, não estão imunes aos caprichos das mudanças de gosto e de moda. Não há dúvida, no entanto, de que a obra de Sartre será lida e reavaliada por futuras gerações de estudiosos interessados nos usos que ele deu ao método fenomenológico de Husserl e às análises existenciais de Heidegger.
O homem está todo o tempo fora de si mesmo: é ao se projetar e se perder além de si mesmo que ele dá existência ao homem; e, por outro lado, é ao perseguir objetivos transcendentais que ele próprio se torna capaz de existir. Uma vez, então, que o homem é autossuperante, e pode alcançar objetos somente em relação com sua autossuperação, é ele próprio o coração e o centro da sua transcendência. (Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo, 1946)
Estou no parque. Eu me jogo em um banco entre grandes troncos pretos de árvore, entre as mãos pretas e cheias de nós estendidas na direção do céu. Uma árvore raspa a terra sob meus pés com uma unha negra. Eu gostaria tanto de me deixar ir, me esquecer, dormir. Mas não posso, estou sufocando: a existência penetra-me em todos os lugares, pelos olhos, pelo nariz, pela boca... (Jean-Paul Sartre, A náusea, 1938)
Central em todas as atividades de Sartre foi sua tentativa de descrever as principais características da existência humana: liberdade, responsabilidade, as emoções, relações com os outros, trabalho, personificação, percepção, imaginação, morte e assim por diante. Deste modo, ele tentou trazer clareza e rigor ao reino sombrio do subjetivo, sem limitar seu foco nem ao lado puramente intelectual da vida (o mundo do raciocínio, ou, mais amplamente, do pensamento) nem àquelas características objetivas da vida humana que permitem o estudo a partir de “fora”. Assim, sua obra se dirigiu, de maneira fundamental, e primordialmente, a partir de “dentro” (onde as habilidades de Sartre como romancista e dramaturgo lhe serviram bem) à questão de como um indivíduo se relaciona a tudo que compreende sua situação: o mundo físico, outros indivíduos, coletivos sociais complexos e o mundo cultural de artefatos e instituições. (David Detmer, Sartre Explained: From Bad Faith to Authenticity [Sartre explicado: da má fé à autenticidade] (2008)(Trombley, Stephen - 50 pensadores que formaram o mundo moderno)