O Cristo nunca organizou nada, nem no âmbito religioso da Sinagoga de Israel, nem no setor civil da política do Império Romano. A sua atuação foi exclusivamente indireta, por espontâneo transbordamento da sua própria plenitude, porque, como diz Paulo de Tarso, nele habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade.
Durante quase três séculos, do ano 33 até 313, a cristandade das catacumbas vivia dessa cristicidade mística, sem nenhuma organização social. E foi este o período mais glorioso do mundo cristão, o período da verticalidade mística das catacumbas, cuja única saída era para o martírio no Coliseu.
Sabemos que no ano 33, foi Jesus entregue à morte pelo beijo de um de seus discípulos – mas muitos ignoram que o mesmo Cristo, no ano 313, foi assassinado pelo beijo de outro discípulo dele, o primeiro imperador cristão Constantino Magno. O beijo de Judas matou o corpo de Jesus – o beijo de Constantino matou o espírito do Cristo.
O beijo com que Constantino Magno traiu o Cristo foi o Edito de Milão, do ano 313, que pôs termo a três séculos de perseguição – mas com este benefício de discípulo preludiou séculos de malefícios de traidor: convidou os discípulos do Cristo a se integrarem na organização do Império Romano; fez do cristianismo a religião oficial do Estado, uma religião estatal, defendida mediante armas, política e dinheiro – armas para matar os inimigos, política para enganar os amigos, dinheiro para comprar e vender consciências.
O Edito de Milão foi o fim de três séculos de cristicidade – e o princípio de muitos séculos de cristianismo, social, político, militar.
O cristianismo de Constantino continua até hoje no mundo oficial, das igrejas e de alguns governos.
Paralelamente, à sombra das catacumbas do silêncio e da solidão, continua em algumas almas a cristicidade dos místicos, cujos nomes não constam e cujas estátuas não figuram em praças e salões.
(Huberto Rohden, in “Que Vos Parece do Cristo?”)